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domingo, 17 de novembro de 2024

A nossa necessidade de ilusão é insaciável:

A crónica de hoje é suscitada pela COP29, a decorrer no Azerbaijão. Na busca de um título inspirei-me num livro do notável escritor sueco, Stig Dagerman (1923-1954): A Nossa Necessidade de Consolo é Impossível de Satisfazer (1952). Dagerman apontava para o paradoxo da condição humana - uma frágil finitude, vacilando num incomensurável oceano existencial. Pela minha parte, apenas procuro alertar para a facilidade com que abdicamos da prudência crítica, consolando-nos com narrativas confortáveis, mas inimigas de verdade.

Os EUA, país que ainda hoje se arvora em líder do mundo, afastaram-se de qualquer compromisso sério em maio de 1997. Ainda antes de ter sido aprovado na COP3 o Protocolo de Quioto, que indicava objetivos concretos aos países desenvolvidos (listados no Anexo 1 da Convenção), o Senado dos EUA - que é constitucionalmente decisivo para validar tratados - aprovou por unanimidade uma advertência a todos os presidentes dos EUA: o Senado, recusando as responsabilidades históricas dos EUA, não ratificaria nenhum tratado que excluísse a China e outros países emergentes.
Essa posição viola a própria Convenção, que numa primeira fase liberta de obrigações os países que se industrializaram tardiamente. Aliás, foi por causa desse bloqueio do Senado que o presidente Obama se revelou o principal arquiteto do Acordo de Paris (2015). Ao contrário do Protocolo de Quioto (vigente entre 2005 e 2012), o Acordo de Paris não tem obrigações, nem penalizações para os países. O Senado dos EUA considera-o como uma iniciativa inofensiva de Obama, que não compromete Washington, por isso nem sequer precisou de ir a votos.
Há outras ilusões associadas: entre Biden e Trump, a diferença é meramente discursiva. No seu mandato, Biden aprovou 10.700 autorizações de prospeção de petróleo, contra 9.892 de Trump.
No que respeita à UE, o grande desígnio já não é o pacto ecológico, mas o seu rearmamento maciço contra a Rússia. Bruxelas prepara-se para pagar os aviões americanos com uma realocação dos fundos de coesão do orçamento comum de 2021-2027. Há também planos para que 20% do orçamento a entrar em vigor depois de 2028 seja dedicado à esfera militar.
As COP estão a transformar-se num sórdido espetáculo de ilusionismo. Talvez já seja tarde para o futuro, mas estamos sempre a tempo da lucidez.
por Viriato Soromenho Marques

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