Do ponto de vista existencialista, a transformação de Gregor Samsa pode ser vista como uma metáfora da sensação de estar preso numa vida que já não reconhecemos como nossa. Quantas vezes nos sentimos estranhos na nossa própria pele, desligados de quem somos, espectadores da nossa própria vida ou do que os outros esperam de nós? Gregor, ao tornar-se num insecto, representa essa sensação extrema de desumanização, de se tornar algo que não se encaixa mais no mundo, nem mesmo na sua própria família.
Kafka confronta-nos com uma ideia chave na filosofia existencialista: o isolamento do indivíduo. Gregor, na sua nova forma, é incapaz de se comunicar, de ser compreendido ou aceite. Este isolamento não é apenas físico, é existencial. Aqui é onde ressoa o pensamento de Jean-Paul Sartre e a sua ideia de que “o inferno são os outros”. Gregor é rejeitado e temido, e apesar de permanecer o mesmo por dentro, a sua aparência o condena-o à solidão e ao esquecimento.
Além disso, “A Metamorfose”
também nos fala do absurdo, um conceito que Albert Camus desenvolve na sua filosofia. A transformação do Gregor não tem explicação nem sentido, e esse é precisamente o ponto. Num mundo absurdo, as coisas acontecem sem razão aparente, e nós, como seres humanos, somos forçados a enfrentá-las sem ter respostas. Gregor não questiona porque se tornou um inseto; ele simplesmente tenta adaptar-se e continuar com sua vida. Mas, no final, o absurdo esmaga-o.
Gregor perde seu valor aos olhos da sua família no momento em que não consegue mais trabalhar nem atender às expectativas sociais. Sua transformação física reflete uma verdade mais profunda: somos vulneráveis a perder nosso lugar no mundo quando deixamos de cumprir os papéis que nos impõem.
A Metamorfose é um alerta sobre a fragilidade da identidade e a desconexão entre o ser humano e o seu ambiente. Kafka lembra-nos que, neste mundo cheio de normas, expectativas, julgamentos, a verdadeira tragédia é perder a ligação com a nossa própria humanidade, e nesse processo, ser esquecido ou descartado por aqueles que nos deveriam entender.
A peça de Kafka deixa-nos uma pergunta perturbadora:
Quanto da nossa identidade é definida pelos outros?
(Quentin Machado)
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