(Whale project, in Estátua de Sal, 20/05/2024, revisão da Estátua)
(Este artigo resulta de um comentário a um texto que publicámos, de Daniel Oliveira, sobre a imigração, (ver aqui). Pela sua atualidade e assertividade de pontos de vista, resolvi dar-lhe destaque.
Estátua de Sal, 20/05/2024)
No tempo em que ninguém para cá queria vir não havia no
Alentejo imigrantes mas havia emigrantes. Os chamados “ratinhos” que iam das
Beiras trabalhar na altura das ceifas. E, tal como os imigrantes de hoje,
aceitavam trabalhar por muito pouco, viver ás vezes até ao relento e comer para
ali uma côdea de pão.
Ontem, como hoje, muita gente culpava os “ratinhos” e não os agrários, que tudo faziam para pagar o menos possível a quem trabalhava. Os agrários exploradores que tinham na polícia rural, que era a GNR, os jagunços perfeitos para pôr em sentido quem protestava. E, se para pôr o gado em sentido, fosse preciso matar em plena rua uma mãe de quatro filhos, matava-se.
O que não consta é que algum “ratinho” tenha sido morto a tiro ou hostilizado por jagunços fardados. Como acontece hoje com os imigrantes. Afinal eles davam jeito a quem não queria pagar, e sempre podiam dizer aos trabalhadores: ou comem ou, para além de vos podermos denunciar à PIDE como comunistas, ainda mandamos vir mais “ratinhos”.
Os alentejanos que hoje votam na extrema-direita, porque acham que a culpa é dos imigrantes e não dos exploradores, têm a mesma mentalidade dos que deitavam as culpas aos “ratinhos”. E os agrários de hoje, alguns dos quais nem portugueses são, têm a mesma mentalidade de outros tempos. E, quem hoje vota no quarto pastorinho, esquece-se que nesse tempo era a extrema-direita que mandava.
Nos anos 60 começou o êxodo alentejano. Criaram favelas na periferia de Lisboa, onde esgotos corriam a céu aberto. A censura não deixou que fossem vistas mas foram alvo de documentários ingleses. Porque é que se sujeitavam a isso e a continuarem a ser explorados nas fábricas e na construção civil? Porque se voltassem os pides e os jagunços haviam de lhes querer fazer boas contas.
E, se nesse tempo era a extrema-direita que mandava, a extrema-direita de hoje está cheia de saudosistas desse tempo. Por isso tratem de ter cuidado com o que desejam.
E, essa do capitalismo tirar gente da miséria, deve ter sido gerada não sei bem onde. O capitalismo só funciona, sem causar grandes danos, se houver regras. Porque a natureza humana é igual em todo o lado. A mentalidade do agrário alentejano dos anos 60, que queria ter casa luxuosa, bom carro, idas a casinos e prostíbulos na capital, restaurantes e hotéis de alto luxo, apenas com o que a terra dava, é igual ou pior em todo o lado. O capitalismo selvagem dos anos de Yeltsin causou três milhões de mortos pela fome e pelo frio na Rússia. Foram, sem dúvida, tirados da pobreza. Países como a Roménia perderam 25% da população desde 1990, pelo que foram, sem dúvida, tirados da pobreza.
O capitalismo sem regras gera sim, milhões de pobres, que vão tentar emigrar seja para onde for. Muitas vezes, justamente devido às táticas de ódio e divisão da extrema-direita, as pessoas veem-se também às voltas com a insegurança gerada por forcas policiais e milícias que matam. Não é só com a pobreza que têm de contar.
Não foi só com a pobreza que os brasileiros “pardos” tiveram que contar nos anos Bolsonaro, pelo que, a muitos só restou fazer a mala. Às vezes nem isso. Uma criatura que emigrou aos 53 anos trouxe uma mochila às costas. Tudo o que o Brasil lhe deu numa vida de trabalho, iniciada aos 14 anos, cabia numa mochila. Mas, o capitalismo sem regras fez com que, numa idade em que já só queremos sossego, emigrar fosse a solução encontrada por ela e por um marido da mesma idade, um filho e uma nora. O neto já nasceu por cá. Outros três filhos também trataram de fugir para outras paragens.
Por exemplo, quanta gente de orientação sexual duvidosa já não estará a fazer as malas na Argentina, depois de quatro mulheres terem sido queimadas vivas? Para além disso, o capitalismo desregulado do “El Loco” está a produzir pobres a uma velocidade assombrosa.
Tirem o cavalinho da chuva. A extrema-direita não vai impedir a imigração, nunca impediu. Porque a imigração interessa aos exploradores que lhe dão dinheiro para as campanhas. E quanto mais ilegal for, melhor, que assim mais facilmente serão explorados os imigrantes.
Obama deportou mais gente que Trump e, as famosas jaulas horrendas onde se enfiavam crianças, já existiam no seu tempo. Simplesmente, começaram a falar mais disso só no tempo do Trump, porque ele estava pouco disposto a embarcar em aventuras contra a Rússia.
À extrema-direita só interessa, justamente, o desviar das atenções. O culpar os imigrantes é o desviar das atenções do facto de que todos estarmos a perder direitos. Nada mais que isso.
O que a extrema-direita é, também se aplica à Iniciativa Liberal do Cotrim, que quer é um regresso aos anos 60. Um regresso ao tempo em que, além de haver três famílias numa casa de três quartos ou menos, ainda havia milhares de barracas, um pouco por todo o lado e em que, quem tinha a, sorte de ter uma cama e não uma enxerga, só tinha dois jogos de lençóis comprados a prestações.
Quanto mais a extrema-direita, o fascismo, o racismo, a xenofobia crescerem, mais deslocados haverá. Porque ficar à espera de ser morto pela fome ou por uma milícia não é opção para ninguém.
A extrema-direita é parte do problema, aqui e nos países de onde os imigrantes vêm, nunca a solução. E, se não formos capazes de ver isso, estamos tramados.
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