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quarta-feira, 24 de abril de 2024

A LIBERDADE:

Conheci a Liberdade pela altura do 25 de Abril de 1974.
Era na época militar por dever e durante algum tempo passei a sê-lo com gosto.
Olhámo-nos nos olhos, sem nada dizer, e de imediato despertou em nós a ponte que liga os corações apaixonados.
Ia no Metro para encontrar-me com amigos algures na zona de Entre-campos mas saí junto com ela nas Picoas.
Era uma rapariga mais jovem que eu, toda ela promessa de mulher.
Não lhe disse nada nem ela me perguntou o que fosse.
Entregámo-nos logo um ao outro e amámos-nos sem peias ou amarras, sem limites ou planos de futuro, com a sensação de termos atingido o momento definitivo das nossas existências.
Não estabelecemos compromissos nem alianças.
Não fizemos planos para o Futuro.
Não lhe pedi juras de amor eterno nem lhe ofereci nada em troca do que era apenas uma dádiva, mútua generosa e única.
Bastava-me tão só tê-la, a Liberdade.
Passeámos muitas vezes pelas ruas e toda a gente olhava para nós.
Sentia que todos amavam a Liberdade e que amavam o nosso amor.
O tempo passou.
O que era eterno e imutável passou a ser só um episódio das nossas vidas.
Deixei de vê-la.
Troquei a Liberdade por outras paixões que me vieram cruzar o caminho.
As paixões foram sempre inimigas da Liberdade...
Há tempos voltei a vê-la.
Estava mais velha que eu.
Chorei ao reencontrar-me com ela.
Beijei-a e disse-lhe tudo o que me ia na alma.
Mas secou-me as lágrimas e disse-me que fora sempre assim através dos tempos.
A Liberdade será sempre a jovem generosa que trocamos por outros valores em maior ou menor
grau.
Contou-me as peripécias destes últimos anos.
Do amor que dera a todos.
Dos que quiseram apropriar-se dela.
Dos que a maltrataram, dos que a quiseram acima de tudo e que por ela haviam dado a vida.
Olhei os seus olhos cansados e revi-me no reflexo do seu brilho apagado.
Olhamos um no outro durante uma eternidade enquanto ela afagava as minhas rugas.
Falámos um longo período, revendo rostos revivendo tempos...
Por fim disse-me que se ia embora.
Ia talvez sair do País.
Ia procurar um sítio onde estivessem ansiosos por ela.
Lá talvez voltasse a encontrar numa paragem de Autocarro ou num Metro um jovem que a amasse eternamente.
Despedimos-nos num longo beijo.
Foi a última vez que vi a Liberdade...
nota:
Escrevi este texto no dia 25 de Abril de 2005, numa espécie de ante-visão, uma premonição em relação ao que estava a fermentar na Europa com a ascenção das extremas-direitas, com toda a carga perversa que arrastam.
Penso que nunca como agora o texto faz sentido e nunca como agora é preciso salvar a LIBERDADE..

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