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terça-feira, 28 de março de 2023

A Fábrica Grande:

De vez em quando vou ao “RAM” - memória de acesso randômico - buscar passagens de há muitos anos e levá-las a quem não teve o privilégio de vivê-las.
Depois do meu tempo de escola entrei no mundo profissional. Tive a sorte de ir incorporar o operariado da Fábrica de Móveis de Albino de Matos Pereira & Barros, (Fábrica Grande) sita na rua do Comércio, hoje rua Professor Albino de Matos.
Trabalhavam ali centenas de pessoas oriundas das várias freguesias do concelho de Paços de Ferreira e do concelho de Lousada, sendo a predominância de Freamunde.
Nos horários de entrada e saída - pré e pós-laboral - pareciam bichas do pinheiro umas atrás das outras.
Parece que ainda ouço o tilintar das "chulipas" quase parecido ao som de castanholas.
Depois do almoço - se é que se podia chamar almoço - juntavam-se e, sentados na borda da estrada, no "canal" por onde passava a água da chuva, contavam peripécias sobre a vida ou desporto, em especial, futebol.
A Fábrica Grande era enorme. Com as suas secções de Serralharia, Marcenaria, Polimento, Cromagem, Estofos, Pintura, Casa das Máquinas que incorporava Serras de Fita, Furador, Plainas, Desengrosso, Torneiro e Charriot, que funcionavam através de uma Caldeira a vapor que fornecia a “energia” e um Salão de exposição de Móveis.
Ali confeccionava-se de tudo. Desde móveis escolares, familiares, como cozinhas, quartos e salas de madeira e ferro forjado; serração de madeiras, até tinha uma carreta com linha férrea para transportar madeira desde o seu depósito até ao local onde era trabalhada; vidro e espelhos, casa da cola onde quem a confeccionava era o Bininho de "Lustosa"; moagem de grão, estofos, venda de louças e ferragens, de artigos domésticos; até tinha uma balança para pesar a carga das camionetas; bomba de combustível para seu uso e venda ao público.
Parece que ainda revejo o Sr. Magalhães mais tarde o Sr. José "Tenente" de mangueira na mão a abastecer as viaturas. Nas horas de descanso destes o Sr. Jaime Cardoso e António "Toninho" Torres revezavam-nos nessas lides.
Também tinha uma Cantina que confeccionava almoços caso os seus operários quisessem ali almoçar. E, almoçavam muitos.
Albino de Matos seu impulsionador tinha uma visão acima da média para aquela época. Não era de estranhar: era professor.
A Fábrica Grande passou por bons e maus bocados.
Ainda recordo, trabalhava em Paços de Ferreira como estofador na Oficina do Neca "Papa", de no dia cinco de Agosto de mil novecentos e sessenta e quatro do incêndio que deflagrou na secção de estofos e teve proporções alarmantes.
Foi de tal monta que teve a socorrer corporações de bombeiros das vizinhanças e do Porto derivado ao posto de combustível que ali existia.
Reconstruiu-se a parte ardida sem nunca os operários ficarem sem trabalho. Aliás, foram eles que laboraram na sua reconstrução.
Assim se andou de mil novecentos e sessenta e quatro até ao seu encerramento. Por falta de mão de obra e por crise no país.
Mas nenhum empregado no encerramento deixou de receber os seus direitos. Assim aconteceu porque à sua frente estava um administrador que sempre se regeu pela sua honestidade. Esse administrador de nome: Teodoro Pereira.
Também se deixou de ouvir o som das chulipas. Tudo tem o seu fim.
A Fábrica Grande de uma grande empresa de móveis e seus derivados passou a ser uma relíquia. A cair aos poucos.
Não houve pessoas à frente do concelho com visão futura como Albino de Matos teve para criar tal empreendimento.
A Fábrica Grande merecia ser transformada num Museu do Móvel. Por tudo o que ela foi e por tudo que deu a Freamunde ao concelho e ao País.
Nela se formaram para a vida e para o profissionalismo milhares de pessoas. Que levaram para o concelho de Paços de Ferreira, Paredes e outros os seus conhecimentos.
Assim como no seu início foi buscar profissionais de primeira para ensinar certos ofícios, casos do entalhador sr. Guedes, dos serralheiros sr. Henrique Felgueiras e sr. Luís da "Longra", agora era a vez dos seus operários irem ensinar o seu mister a outras bandas.
Passados anos a Fábrica Grande foi vendida. Esperava-se um grande projecto. Andava-se de Anãs para Caifás e nada acontecia. Até que zoou que ali ia ser construído um Intermachê. Houve vozes a favor e desfavor. As vozes a favor venceram.
A minha voz não tomou partido. O que gosto é de ver Freamunde a progredir.
E como estava o edifício da Fábrica Grande só me dava dó. Lembrava-me dos tempos ali passados. Que foi ali que tomei os primeiros ensinos tanto sociais como profissionais.
Via a Fábrica Grande como um doente no seu leito. A quem não se pode – por agora - decretar a Eutanásia. Mas à Fábrica Grande pôde-se,
Ainda bem. 
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Manuel Pacheco

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