Hoje a noite passei outra vez pelos canais de notícias.
Na SIC N, apanhei como pivot aquele fulano que se tem destacado em inquirições agressivas, a lembrar outros tempos, de sim ou não, confessa ou nega, cujo nome desconheço. Desta vez estava com o Monjardino.
E então ouvi coisas espantosas.
Sobre os efeitos das sanções. Sim, para já não estão a ter o efeito esperado, mas daqui a 20, 30 anos vão ter consequências dramáticas para a Rússia. Toda a economia da Rússia ficará afectada. O pivot da SIC interveio para esclarecer que em matéria de armamento a Rússia estava a ter dificuldades porque já estava a utilizar material soviético do século passado. Depois veio à baila Henry Kissinger e então ambos se enredaram numa interpretação interessante das suas palavras. Dizem eles que as palavras de Kissinger - a cedência de território ucraniano à Rússia - têm de ser interpretadas na perspectiva de uma derrota estrondosa e na ideia de que essa derrota não deveria ser aproveitada para humilhar a Rússia, já que uma Rússia humilhada seria perigosa para o resto da Europa. Portanto, a conclusão que se tira das palavras daqueles dois cavalheiros seria esta: como a Russa vai ser inapelavelmente batida na Ucrânia, o melhor que há a fazer é dar-lhe como prenda pela derrota um bom naco de território ucraniano. As coisas que a gente aprende.
A única ideia com jeito que Monjardino apresentou, mas incompletamente, foi a de que esta guerra já está a dar lugar a uma reorientação estratégica na Europa, onde actores até agora secundários tendem, mediante a constituição de agrupamentos variáveis, a ganhar primazia sobre os actores tradicionais.
Isto, em parte, é verdade, mas é uma verdade que começa por ser mais uma consequência do alargamento a leste da UE do que verdadeiramente da guerra. Digamos que a guerra apenas potenciou uma actuação que já vinha sendo ensaiada ou tentada noutros domínios. Porém, esta consequência só será parcialmente verdadeira , no sentido de concretizável, na medida em que só tem possiblidade de ser posta em prática em matérias que não metam dinheiro e sejam estritamente políticas, ocorridas em situações excepcionais como a actual. Por outro lado, esta reorientação não tem a ver com a Europa no seu todo, e nunca é independente de uma posição americana consonante, já que ela apenas acontece no interior da UE e está intimamente relacionada com a vassalagem a que a Europa se submeteu face aos Estados Unidos, uma vassalagem que desde logo não toma em conta o facto mais óbvio: a Rússia não vai geograficamente sair do lugar que ocupa e o resto da Europa também não, portanto tudo o que não parta desta realidade incontornável vai sempre deparar-se com inevitáveis dificuldades futuras. A Europa precisa da Rússia, tal como ela é, europeia e asiática, e a Rússia também preciisa dos países mais desenvolvidos da Europa, que cometem um grave erro estratégico ao deixar-se levar pelos interesses estratégicos norte-americanos. Não se trata de os hostilizar, trata se de cada parte defender os seus.
José Manuel Correia Pinto
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