Se a guerra não fosse uma tragédia, se a guerra não fosse aquilo que as nossas televisões teimavam em não perceber o que é, se é que já perceberam, seguir pelas tevês o que se passa na Ucrânia seria na esmagadora maioria dos casos um espectáculo burlesco.
Hoje dei-me ao trabalho de ir acompanhando nos canais noticiosos o que lá se diz, se comenta e se lamenta.
Com excepção das vezes em que lá vão alguns militares com o objectivo claro de explicar o que se está a passar, porém cada vez em menor número– um, tanto quanto me apercebo, já foi saneado, outro da primeira vez que lá foi deu uma merecida “joelhada nos tomates” do Milhazes e nunca mais o convidaram – a gente ouve o que a malta das televisões tem para nos dizer e se com base na conversa deles quisesse perceber o que se passa na Ucrânia, como tem evoluído a guerra, o que estão a fazer militarmente ambos os lados, ficaria a saber tanto como sabia antes de lá chegar – rigorosamente nada.
Um dos militares que vai tendo assento regular, talvez mais do que uma vez por semana, é o Coronel Mendes Dias, cuja especialidade é a finta de corpo.
No princípio da guerra, Mendes Dias foi explicando algumas noções fundamentais do que é um conflito militar, mas desde logo se notava que tinha uma certa queda para as acrobacias. Depois, quando começou a perceber, como toda a gente, que o vento soprava muito forte do Oeste, lá ia dizendo o que não podia omitir, deixando mais ou menos implícito que não era aquilo que ele queria acontecesse. Quando aqui há cerca de 10 dias as politólogas, que enxameiam os ecrãs, começaram a cantar vitória, primeiro baixinho, subindo de tom logo a seguir, Mendes Dias, embora não pudesse deixar de dizer certas coisas, dava uma cambalhota na cama elástica, às vezes o duplo salto encorpado, e via-se que não tinha intenção de evitar a confusão. Que isso lhe daria muito trabalho e outra tanta má vontade. Como passado algum tempo, as politólogas tiveram que “cair na real”, mesmo usando o verbo evacuar à vista de toda a gente, Mendes Dias saiu da cama elástica, falou-lhes enigmaticamente sobre Dnipro, Dniepre, deixou umas expressões cabalísticas como quem as prepara para cedências territoriais, sendo duvidoso que elas tenham percebido, mas como não gostaram do que ouviram. Muito boa noite até outro dia.
Ao chegar aí, as régies, as pivots, as repórteres no terreno, as politólogas puxam do cardápio e servem ao telespectador Bucha, Mariupol, as maternidades, as escolas e até Kherson, onde, diz a Irina da SIC, as pessoas têm vergonha de só saberem falar russo.
E da guerra o que ficaste a saber agora é o mesmo que sabias antes.
José Manuel Correia Pinto
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