Que as pessoas em geral não
compreendam as chamadas “tecnicalidades” das leis e das decisões judiciais, é
coisa normal, que se aceita sem reservas (embora por vezes alguns mais afoitos
se espalhem ao comprido nos seus comentários pouco preparados, fazendo uma
figura que bem podiam ter evitado se perguntassem a quem soubesse).
Que jornalistas especializados no
judiciário ou com acesso a gente especializada cometam os mesmos erros, é
inaceitável.
Isto vem a propósito da recente
decisão do STA (Supremo Tribunal Administrativo) sobre a providência cautelar
proposta pelos interessados do Zmar.
Essa decisão chama-se despacho
liminar e resume-se ao seguinte: o tribunal entende que a pretensão do
requerente não é completamente estapafúrdia ou lunática e por isso não a
indefere liminarmente – o indeferimento liminar é a sentença de morte do
processo mal ele dá entrada em juízo.
Admitindo liminarmente a
providência, o tribunal manda o processo seguir, determinando a citação do Réu
ou requerido (neste caso o Estado) e assinalando-lhe um prazo para contestar o
pedido inicial; pode, por vezes, em face de uma circunstância delicada ou
perigosa (a que os juristas chamam o “periculum in mora”) ordenar ao requerido
que se abstenha de praticar actos que possam ofender com gravidade o fim último
que determinou a propositura da providência.
Foi isso simplesmente que
aconteceu no caso do Zmar – o tribunal não tomou posição sobre a pretensão
peticionada, coisa que só fará depois da eventual contestação do requerido e
depois de produzidas todas as provas (documentais, testemunhais, periciais) que
as partes queiram oferecer.
Assim, com base no conhecimento
de tal decisão, é manifestamente desonesto noticiar que o tribunal deu razão
aos requerentes ou tomou alguma posição favorável à providência –
manifestamente desonesto porque não podemos compreender que jornalistas que
produzam tal notícia o façam por mera ignorância; há por isso uma evidente
vontade de enganar o leitor/telespectador levando-o a acreditar uma rotunda
falsidade, coisa que aconteceu com o jornal Expresso e com uma estação de TV,
salvo erro a TVI, que foi logo aproveitada por dirigentes da oposição de
direita, exigindo a demissão do ministro por uma coisa que... não aconteceu.
Isto está a passar-se com muita
frequência, levando-nos a acreditar que a decência e o rigor informativo são
cada vez mais coisa do passado.
Longe vão os tempos do Público
dirigido por Vicente Jorge Silva, apoiado de perto pelo meu amigo Francisco
Teixeira da Mota, com um rigoroso Livro de Estilo que era escrupulosamente
respeitado.
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