Ao longo da história que conhecemos melhor, a da nossa civilização, dita cristã e ocidental, surgem ciclicamente movimentos purificadores que se assumem donos do Bem e da Verdade contra os ímpios, os bárbaros, os Maus. Um grupo apresenta-se a si mesmo como o dos Bons, e, quando entende que já reuniu energia para impor o seu poder, arreganha os dentes e parte em cruzada.
Os totalitarismos têm por base a soberba dos salteadores que assaltam o poder acenando a bandeira da purificação de uma “raça”, de uma religião, ou até de uma interpretação da realidade. A Europa dispõe de um longo rol de purificações e purificadores. Os resultados das purificações são conhecidos como dramas de dimensões gigantescas. Só no século vinte duas guerras mundiais! Mas há sempre crentes disponíveis para a loucura.
Ao contrário dos grupos de gângsteres, das mafias que agem violentamente para obter ganhos em negócios específicos, mas de âmbito limitado a uma cidade, uma região, e não se justificam com a hipocrisia das boas intenções, os purificadores políticos são exímios demagogos e predadores de largo espetro, que agem à escala mundial, assentes em dois pilares, a guerra e a especulação, a alimentação do complexo militar-industrial e a criação de dívida.
Em vez da conhecida alternativa oferecida pelos vulgares assaltantes de a bolsa ou a vida, os purificadores pretendem a bolsa e a vida. É irracional, mas os crentes preferem quem lhes leve a bolsa e a vida do que lhes levam a carteira.
Para conseguirem o pleno, os grande purificadores utilizam a História e a Moral como biombo para esconder as suas nódoas, crimes e taras. Anunciam virtudes, mas seguem os princípios e as práticas da corrupção. Os purificadores apontam o argueiro no olho dos outros. Jamais no deles. O Bom deles, nunca é o Bem de todos. Negam a existência de patrimónios comuns da Humanidade e de humanidade.
Também chegou recentemente a Portugal um movimento de falsa purificação. Promete limpeza étnica, mas nega o racismo! Vive da corrupção de contas e de ideias, mas os corruptos são os outros. Sempre os outros!
Estes movimentos são a-históricos e dicotómicos. Veja-se e oiça-se Trump, o mais visível drone criado pelos novos purificadores: Nós e os Outros; Brancos e Pretos, Fortes e Fracos, Dominadores e Dominados, Um e Zero, Sim e Não. Por cá, os purificadores, num estado social fraco e recente, manifestam-se contra apoios sociais inclusivos, opõem-se à existência de um serviço nacional de saúde, à escola pública e à segurança na velhice, doença e no desemprego. Numa sociedade secularmente pobre, forçada à emigração, são xenófobos!
Os purificadores de raças e crenças recusam a integração e a cooperação e rejeitam como ganhos civilizacionais universais os valores da liberdade, justiça e igualdade. Mas não podem ser refutados caindo na armadilha de os acompanhar na irracionalidade de apreciar as normas do código de Hamurabi utilizando os termos da Declaração Universal dos Direitos da Humanidade. À pedrada e à dentada eles ganham.
Os purificadores supremacistas não podem ser combatidos com argumentos morais, históricos ou até de racionalidade, nem de imagem, não é o braço direito esticado que os faz perigosos, é o braço esquerdo que está atrás das costas, com um punhal, a sinistra que mata, é, antes de tudo, o braço escondido do sistema que lhes paga, o dos senhores que os têm por conta. Os purificadores são como algumas madames que se fingem virtuosas!
São milícias com largo financiamento, só não estão cotadas nas bolsas de especulação de Wall Street, ou da City por razões de higiene.
Estes movimentos têm de ser encarados como uma praga de ratazanas. Não estão limitados por escrúpulos. Alimentam-se dos esgotos do sistema, mas prometem purificar o que deles escorre. Não querem mudar o sistema, querem aprofundá-lo e proporcionar lucros aos acionistas e especuladores dos fundos abutre.
Há quem acredite e se chegue a eles!
Utilizam como arma a acusação contra os que recebem o rendimento de inserção e que não trabalham, jamais acusam os parasitas que recebem milhões sem qualquer atividade produtiva em prole da sociedade! São meros sabujos do sistema.
Os purificadores do sistema fedem e deviam ser sujeitos a uma barrela!
Carlos Matos Gomes
Correio do Ribatejo
Sem comentários:
Enviar um comentário