"O Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social é uma corda no
pescoço dos pensionistas"
A estrutura da Segurança Social é superavitária por estar estruturada
sobre as contribuições - sempre foi até aqui, aliás, o único sector do
Orçamento do Estado sem défices -, e porque tem uma relação directa com a
riqueza produzida pela força de trabalho. Não só em Portugal. Calcula-se que
1/3 de toda a riqueza mundial diz respeito a fundos da segurança social. Só
será insustentável se o número de desempregados e precários continuar a subir,
uma vez que são trabalhadores que não descontam ou não descontam o suficiente
para garantir os que já não estão a trabalhar.
Antes de se demitir, o ex-ministro das Finanças, Vítor Gaspar, fez um
último acto. Somando agora à questão laboral que referi a descapitalização do
fundo por uso indevido (ajuda humanitária ao Kosovo por exemplo) às dívidas
(quase 9 mil milhões de euros), a autorização da utilização do Fundo de
Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS) em investimentos com
dívida pública até 90%. A esta operação chamou o "Wall Street
Journal" pela mão do colunista Stephen Fidler "repressão
financeira" (11/7/2013).
Creio que esta medida será uma corda no pescoço dos reformados e
pensionistas. Actualmente o valor do FEFSS é de cerca de 10 mil milhões de
euros. Até aqui, 55% deste fundo estava investido em dívida pública portuguesa
ou dívida garantida pelo Estado (nesta última definição pode estar dívida
tóxica como a do BPN), 25% em dívida pública de outros estados da OCDE e 17% em
acções de empresas estrangeiras.
A Segurança Social é um fundo superavitário, as contribuições eram
suficientes para pagar pensões de velhice e os superavits, entre 2% e 4% das
contribuições, eram colocados num regime de capitalização, o FEFSS, com o
intuito de, segundo a lei, "contribuir para a sustentabilidade do sistema
previdencial".
Mas o que é afinal o FEFSS? Estará ele a contribuir para a sustentabilidade
da Segurança Social? O FEFSS é uma parte do salário tirada das contribuições
dos trabalhadores em nome de uma promessa futura. A promessa de que? quando não
houver dinheiro para pagar as pensões através das contribuições se utiliza este
fundo. É um mau negócio, é um péssimo serviço público.
Em primeiro lugar porque os investimentos em títulos são altamente
arriscados porque dependem das crises cíclicas (desvalorização cíclica da
propriedade), mas sobretudo investir em títulos da dívida pública significa
investir em algo que hoje vale pouco mais que o papel em que está impresso. Na
verdade alguém acredita que, no actual estado da economia, estes títulos serão
resgatados daqui a dez anos pelo seu valor?
Em segundo lugar, porque à medida que o FEFSS investe em títulos do
Estado português, ainda que este fundo cresça, ele vai delapidando as contas
públicas portuguesas. Porque a dívida pública é uma renda fixa que depende do
pagamento de um juro. Esse juro é garantido por uma massa de recursos que depende,
para a sua "credibilidade nos mercados", do corte de salários e
pensões. Isto é, quanto mais se cortam as pensões e os salários, mais o Estado arrecada
e transfere recursos públicos para mãos privadas sob a forma de rendas fixas
(juros da dívida, PPP, etc.).
Finalmente, a haver uma renegociação da dívida, ela vai assim recair
também nas reformas dos trabalhadores, que foram parcialmente investidas na
própria dívida.
Esses recursos, enquanto não são utilizados, podiam servir para reduzir
os problemas de habitação da população, por exemplo. Em vez de se endividarem
com um banco, os trabalhadores (parte deles) pediam à Segurança Social um
empréstimo. Uma espécie de empréstimo dos trabalhadores aos trabalhadores,
entendidos aqui no sentido amplo de "aqueles que vivem do salário".
Em vez desta escolha, decide-se financiar a banca, que por sua vez financia,
com custos muito mais altos, os trabalhadores para adquirem casa. Este é um
exemplo, entre outros, de que o fundo da segurança social pode ter uma gestão
que seja do interesse público. Não me parece porém que esse interesse público
possa ser realizado pelos mesmos que o têm gerido e delapidado.
Raquel Varela
Historiadora, coordenadora de "A Segurança Social é Sustentável.
Trabalho, Estado e Segurança Social em Portugal" (Bertrand, 2013)
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