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quarta-feira, 14 de maio de 2025

Quando a Liberdade Morde a Própria Língua:

Há uma nova moda em Portugal: ser liberal.
Ser “liberal” é ser moderno, ser europeu, ser independente - tudo ao mesmo tempo.
Liberal é quem acredita que o Estado atrapalha, que os impostos são roubo, que os pobres são só ricos com falta de esforço.
Liberal é quem cita Hayek sem nunca ter lido Keynes, quem aplaude Milei por destruir e chama “reformar” ao queimar fundações.
Mas há um problema: esta ideia de liberdade é um cavalo de Troia.
Apresenta-se como emancipação, mas entra para desmantelar.
A Iniciativa Liberal não propõe um país livre.
Propõe um país solto: solto das suas instituições públicas, solto da rede social que protege os frágeis, solto da responsabilidade coletiva que constrói um “nós”.
No fim, sobra o “eu” - que compra, que vende, que compete, que afunda sozinho.
Dirão: exagero.
Mas o que vemos é coerente.
Quando a IL defende a privatização da Segurança Social, o desmantelamento do SNS, o Estado mínimo como se fosse virtude moral - está a repetir uma velha história que já vimos noutros países, com resultados desastrosos.
O Reino Unido, que há décadas embarcou nesse conto neoliberal, hoje colhe problemas graves e inaceitáveis no NHS, desigualdades abissais e jovens sem horizonte.
A Argentina de Milei é a caricatura grotesca do mesmo: cortar o Estado à força bruta, como se isso por si curasse as feridas de um país.
Curiosamente, piora-as.
Até a Igreja, que não costuma meter-se em teorias económicas, levanta a voz.
Não porque tenha medo do mercado, mas porque conhece bem o que acontece quando o lucro se torna absoluto.
A Doutrina Social da Igreja, que muitos liberais ignoram por conveniência, insiste numa verdade incómoda: sem justiça social, a liberdade é uma mentira elegante.
João Paulo II avisou, Bento XVI desenvolveu, Francisco gritou.
E no entanto, por cá, há liberais que comungam ao domingo e votam em partidos que desmantelam no domingo seguinte.
E não se pense que o liberalismo da IL é apenas económico.
É um projeto antropológico.
A ideia de que a sociedade é um conjunto de indivíduos atomizados, cada um responsável pelo seu destino, mesmo que o ponto de partida seja injusto.
A ideia de que a solidariedade deve ser voluntária, caritativa, nunca estrutural.
A ideia de que o bem comum é uma abstração inútil, quando não um obstáculo à “liberdade”.
Mas aqui está a questão: liberdade para quê? Para quem?
Se um doente tem problemas enormes na saúde ou na Segurança Social porque o sistema colapsou, está mais livre?
Se um jovem só pode estudar se pagar, está mais livre?
Se uma família só tem reforma se investir bem, está mais livre ou apenas mais ansiosa?
O liberalismo da IL confunde autonomia com abandono, e eficiência com indiferença.
Promete liberdade mas entrega um país de contratos precários, de cidadãos-consumidores, de escolas como empresas e hospitais como negócios.
Não é progresso.
É apenas um velho egoísmo disfarçado de modernidade.

AC 

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