Como funciona esta estratégia?
1. Velocidade e volume: A sucessão de medidas, polémicas e tweets impede que a imprensa e a sociedade acompanhem o ritmo. Quando se começa a compreender o impacto de uma decisão, já foi tomada outra, e depois outra, criando um ciclo constante de distração.
2. Criação de um “ambiente de crise” permanente: A sensação de que “tudo está sempre a acontecer” gera cansaço, desmobiliza a crítica e reduz a capacidade de resistência organizada.
3. Desorientação da oposição: A oposição política e civil é obrigada a reagir a múltiplos fronts, desperdiçando energia em temas passageiros e sem tempo para construir respostas estruturadas.
4. Descredibilização dos factos: Quando tudo é notícia, nada é notícia. A verdade torna-se relativa, e a opinião pública divide-se em campos emocionais — baseados em identificação com o líder e não em informação verificada.
E os media, que papel desempenham?
Os media, ao cobrirem cada frase, cada tweet, cada polémica, tornam-se involuntariamente cúmplices da estratégia. Agem como amplificadores do ruído. A lógica de funcionamento das redacções, muitas vezes refém da velocidade, da audiência e da pressão das redes sociais, leva a um jornalismo reactivo, de curto alcance, que corre atrás do acontecimento em vez de o contextualizar.
A cobertura constante das manobras de Trump, mesmo quando crítica, pode reforçar a sua centralidade simbólica: ele é o protagonista absoluto do palco político. Mesmo os escândalos acabam por o servir, pois reafirmam o seu papel de líder destemido que desafia tudo e todos.
Como seria uma cobertura alternativa?
Imagina se, em vez de cobrir o "tweet do dia", os media optassem por:
Reportagens de fundo sobre o impacto humano das medidas (por exemplo, famílias separadas por políticas migratórias, comunidades atingidas por desregulação ambiental, ou professores e cientistas afastados por divergirem do governo).
Explicações claras e pedagógicas sobre o desmantelamento de instituições democráticas.
Comparações com processos históricos e internacionais de degradação democrática.
Menos foco na “guerra de palavras” e mais na tradução das consequências reais para os cidadãos.
Este tipo de jornalismo exigiria mais tempo, mais investigação e menos obsessão pela novidade. Mas teria um poder transformador: permitir que a sociedade compreendesse o que está realmente em jogo — para lá da espuma dos dias.
A responsabilidade moral e social dos Media
Há aqui uma questão ética profunda: que tipo de jornalismo queremos num tempo de ameaça autoritária? Continuar a agir como se se tratasse de um jogo democrático normal — cobrindo o dia-a-dia político como um campeonato entre equipas rivais — é um erro de leitura da realidade.
A responsabilidade dos media, neste contexto, é dupla:
1. Informar com profundidade, resistindo à tentação do imediato.
2. Assumir um papel activo na defesa da democracia, sem cair no erro de “neutralidade perante a mentira”.
Se os media mudassem o foco, provavelmente assistíamos a uma quebra no ciclo da desinformação e da manipulação emocional. Ao mostrar rostos, histórias, impactos concretos — ao dar tempo ao essencial — poderiam ajudar a criar empatia, resistência e mobilização.
Porque, no fim, não se trata apenas de notícias. Trata-se de como uma sociedade escolhe recordar, compreender e reagir ao seu próprio tempo. E os media têm um papel decisivo nessa escolha.
Jorge Van Krieken
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