Para quem se espantou muito com a vitória de Trump, fica a aqui a sugestão de leitura deste texto do Democrata Bernie Sanders. Este veterano, que quase foi a votos com o agora vencedor há oito anos atrás, em vez de se estar a queixar da dita tragédia quase e abateu sobre o país e teve a coragem de meter o dedo na ferida do seu próprio partido.
Aponta que há muito que os Democratas abandonaram aquilo que deveria ser o seu eleitorado, a classe média trabalhadora, aqueles que pagam impostos, que trabalham no duro e que anseiam por melhores condições de vida. Enveredaram por uma via elitista, sempre de mão dada com as grandes corporações, deram um estímulo às indústrias de armamento com as aventuras em que meteram alguns países que infelizmente se encontram em processo de autodestruição, ao mesmo tempo que não conseguiram ter uma posição clara em relação à Palestina. Abandonaram a sua matriz de defesa de um certo interesse público para usar como bandeira guerras culturais, de cariz identitário, vulgo wokismo. Matéria que muito pouco ou nada diz à maioria da população, que se sentiu abandonada e assim encontrou no partido concorrente um discurso que lhes soou a algo pragmático, que ia ao encontro dos seus reais problemas.
E foi muito feia a arrogância intelectual e moral em relação aos republicanos. Se estes, comandados por Trump, careciam de postura, de sentido de Estado ou mesmo de básica educação, não mostraram ser efetivamente melhores que eles, caindo no mesmo tipo de discurso, o mesmo que a nossa comunicação social fez por cá, ao ridicularizarem-nos, de lhes chamarem de "lixo", de idiotas, e por aí fora.
Pior, a clara falta de noção em que os próprios caíram em relação ao próprio país em que vivem, dissecando a sociedade no modo como a veem: "Os afroamericanos estão connosco", "os muçulmanos também", uma abordagem míope, que segue a falácia identitária que nos tentam vender por cá (e que muitos comem), esquecendo-se que as questões sociais são, e serão sempre de foro económico e não identitário e tribalista. Parece que esta gente vive num mundo à parte, como era o caso das "celebridades" que pouco ou nada tinham para acrescentar à campanha do que agitar o espectro do bicho papão fascista.
Numa sociedade como a americana em que o espetáculo é a base de quase tudo, tudo lhes parecia sob controlo até ao momento em que a falsa narrativa, também por cá amplamente divulgada, de que tudo corria bem para Kamala e que o outro estava a estrebuchar caíram por terra quando as primeiras contagens de votos. começaram a difundir a bom som que o rei (ou, neste caso, a rainha) ia nu.
Como é possível que o Partido Democrata, que ainda permitiu que um ser senil quisesse voltar a votos, mesmo sendo contra um louco, poderia ter algum êxito?! e como foi aceitável que a mulher que, em quatro anos não se viu qualquer ação digna de registo, subitamente surgisse como a herdeira do trono que lhe tiveram de ceder?
Não havia mesmo mais ninguém nos Estados Unidos que, em tempo útil, assegurasse a continuidade democrata no poder?
Que amadores!
E na dita "Democracia mais aperfeiçoada do mundo".
Seria bom que, por cá, se aprendesse algo com isto e muitos percebessem que a estratégia para defrontar a direita (refiro-me sobretudo à populista) não passa necessariamente pelo olhar sobranceiro de altivez moralista e intelectual pois, pelo menos por cá, já se deveria ter percebido que não funciona.
Mas perceber isso custa.
Traduzido por José Luís Santos
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