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sexta-feira, 27 de setembro de 2024

Querem ir a votos? Vamos, vamos todos votar em branco:

Aprovem, chumbem, façam novo Orçamento, governem por duodécimos, abram crise, convoquem eleições — é tudo entre vós

« (...) creio, senhores dirigentes políticos, que não vos terá escapado os sinais evidentes da falência do Estado a que assistimos todos os dias. É uma semana de fogos descontrolados, aqui e na Madeira; é o paiol principal do Exército assaltado por um bando de pilha-galinhas; o Ministério da Administração Interna, garante primeiro da nossa segurança, assaltado por um Zé do Telhado através de um andaime, enquanto as câmaras de vigilância estavam, não avariadas, por favor, mas apenas desligadas; prisioneiros altamente perigosos evadidos de uma prisão com recurso a uma corda de lençóis, como nas aventuras dos irmãos Dalton, e os designados perseguidores avisados pelos guardas prisionais, recentemente agraciados com aumento do subsídio de risco, apenas quando eles já tinham tido tempo de atravessar a fronteira; processos urgentes a arrastarem-se 10 anos nos tribunais administrativos ou no magnífico ‘Ticão’, enquanto a majestosa PGR fala aos deputados como se estivesse a debitar o discurso do trono; 100 mil alunos do secundário sem professor, coisa classificada como um “progresso”; doentes abandonados nos corredores dos hospitais, demorando mais tempo a ser observados do que os vitelos no abate e esperando meses por uma consulta urgente de cancro; dezenas de milhares de estudantes universitários sem ter onde dormir; meio milhão de imigrantes à espera anos por autorização de residência; 150 mil casas por construir para os refugiados dos incêndios e do abandono do interior; comboios do século XIX, com pindéricas obras de beneficiação atrasadas anos e sistematicamente paralisados por greves dos seus trabalhadores, numa grandiosa empreitada chamada Ferrovia 2020, ou o que o valha. Alguma coisa funciona bem no Estado?

E, todavia, nunca tivemos tantos funcionários públicos como agora nem nunca pagámos tanto para o Estado. No primeiro semestre deste ano a despesa pública cresceu 11%, cinco vezes mais do que a inflação! E cresceu onde? Nos salários, nas progressões, nos retroactivos, nos prémios e pensões dos funcionários do Estado.
E tudo isso só é possível de pagar porque a receita do Estado cresceu 14% no mesmo período: o nosso esforço, o nosso trabalho, o nosso investimento, os nossos impostos pagam o desleixo, a incompetência e o esbanjamento. Pagamos a troco de nada. Mas estão todos muito descansados porque as contas públicas estão assim positivas e todos os partidos poderão apresentar propostas despesistas para as várias clientelas eleitorais do sector público. Mas os senhores acham que isto é sustentável a prazo ou apenas cuidam da próxima eleição?
Mudando agora de assunto, os senhores dirigentes políticos nacionais já repararam como vai o mundo, ou isso não vos diz nada? Por acaso folhearam o relatório Dragui, deram-se conta do desafio que ele coloca à UE e, por extensão, a Portugal? Perceberam bem o que teremos de mudar na estrutura da nossa economia e na selecção dos investimentos públicos? Quanto é que isso, se levarmos as coisas a sério, nos irá custar em cada ano, obrigando-nos a escolher prioridades e cortando onde as clientelas não gostam?
E por acaso repararam que a NATO está à beira de se envolver directa e declaradamente numa guerra com a Rússia e que nós somos membros da NATO? Acham, porventura, que isso fica lá longe e que não temos nada a dizer nem que nos preocupar com o assunto? E Israel? Tudo se resume ao barquinho com bandeira portuguesa e munições para Netanyahu? Acham natural que continuemos a atribuir nacionalidade portuguesa e passaportes europeus a cidadãos israelitas com o argumento de que os seus antepassados foram expulsos daqui há 500 anos, enquanto eles todos os dias massacram e roubam as terras dos palestinianos que já viviam na Palestina quando eles fundaram Israel? Vamos continuar a tecer loas à senhora Von der Leyen, campeã do apoio europeu à Ucrânia e grande conivente dos crimes de Israel em Gaza? (...) »
[Miguel Sousa Tavares, "Expresso", 26/09/2024]
[Miguel Sousa Tavares, "Expresso", 26/09/2024]

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