Rádio Freamunde

https://radiofreamunde.pt/

segunda-feira, 13 de maio de 2024

«A APOSTA PERIGOSA DE MIRANDA SARMENTO»:

São já demasiados os casos de impreparação, descoordenação ou desatenção no Governo. Nuno Melo lança uma hipótese académica sobre recrutamento de delinquentes, que chegaria a pouco mais de 100 pessoas, e a ministra da Administração Interna compra-a como uma política do Governo. A ministra da Saúde pede um plano para o verão ao demissionário CEO do Serviço Nacional de Saúde quando é na Direção-Geral da Saúde que está a responsabilidade de o preparar. Fernando Alexandre promete o início da recuperação do tempo dos professores para este ano, é ‘desmentido’ pelo ministro das Finanças e acaba por levar a sua avante. A provedora da Santa Casa é corrida pela ministra do Trabalho por comportamentos “gravemente negligentes”, mas é obrigada a manter-se em funções. E depois temos Joaquim Miranda Sarmento, que se tem desdobrado em sinais errados e declarações muito difíceis de entender.

Primeiro, a descida do IRS, que afinal já incluía as alterações introduzidas pelo Governo de António Costa. Explicação: tratava-se de mexidas nas taxas “face a 2023”. Baixar o IRS em €1500 milhões este ano seria incomportável, sem dúvida, mas o facto de todos nisso crerem sem dificuldade deveria fazer refletir Miranda Sarmento. Depois, ainda no IRS, a possibilidade de novas descidas durante a legislatura. Explicação: a expressão “face a 2023” do programa eleitoral não deve ser interpretada de igual forma. Por fim, a rábula do défice. O número mais arriscado de todos. Que tem mais de guerrilha política do que de finanças públicas.
Não é possível anunciar que Portugal enfrenta uma situação orçamental grave para, pouco depois, garantir que o cenário de excedente no final do ano não está em causa. Garantia, aliás, confirmada pelo próprio primeiro-ministro. Quem tem vivido em Portugal nas últimas décadas sabe que problemas orçamentais graves são outra coisa, bem mais dramática. Lembram-se da troika? Fazê-lo num ano em que partimos de um excedente de 1,2% do PIB e a meta continua a ser de superávite é tão credível quanto acreditar que alguém pode morrer à fome enquanto degusta um bife do lombo de 400 gramas.
É muito difícil interpretar a estratégia de Miranda Sarmento. Seja ou não verdade, esta sucessão de declarações acaba por criar sempre a dúvida nos investidores e nas agências de rating, junto dos quais custámos tanto a recuperar a credibilidade. Perde o Estado, que pode ter de pagar mais pela sua dívida, e perdem as empresas e as famílias, cujos juros dependem sempre do risco do país. Houvesse alguma agência a preparar a subida do rating agora e, provavelmente, adiaria a decisão. Foi assim que a crise da Grécia nasceu em outubro de 2009, quando o PASOK, chegado ao Governo, decidiu anunciar uma gravíssima derrapagem nas contas. Situações graves tratam-se com cautelas, não com ligeireza. Creio que Miranda Sarmento sabe disso. Fê-lo porque sabe que a coisa não é grave. Mas convém não abusar da sorte. A credibilidade que Portugal acumulou pode esfumar-se em instantes. Com ou sem as contas desequilibradas. É estranho que um ministro das Finanças aposte tanto para ganhar tão pouco.
João Silvestre (Expresso Economia, 10/Maio/2024)

Sem comentários:

Enviar um comentário