Para começo de conversa, a acusação agora formalizada no processo judicial de liquidação do banco BES não se esgota nos eventuais crimes de Ricardo Salgado e mais 24 arguidos. Pela própria tipologia dos crimes em causa, o seu contexto implica directamente instituições públicas variadas, um Governo e seus responsáveis respectivos. Isto num primeiro nível, porque num segundo nível de responsabilidade aparecem os partidos com representação na Assembleia da República e os banqueiros em Portugal como cúmplices do desfecho a que estamos a assistir desde 14 de Julho de 2020: a suspeita de se ter criminosamente gerado um prejuízo de 11,8 mil milhões de euros.
Tamanha a semi-inaudita gravidade do caso (BPN é igual, e até bem pior no intento ilícito), tamanho o seu envolvimento com a estrutura da oligarquia (a ideia de fazer dos Espírito Santo aliados dos socialistas seria hilariante se não tivéssemos o estômago às voltas com o descaramento dos pulhas), que de imediato começou a politização do mesmo pelos mesmos que nada mais sabem fazer do que judicializarem a política e politizarem a Justiça. Esses tentam ligar Salgado a Sócrates, por todos os meios que encontrarem, ao mesmo tempo que santificam Passos Coelho e lhe levantam estátuas onde aparece de espada na mão a esmagar o dragão. Mentem agora como mentiram antes e mentirão amanhã. Mentem não no plano em que tenham ideias diferentes sobre o nosso destino comum ou interpretações alternativas de acontecimentos ambíguos. As suas mentiras são factualmente tangas para alimentar borregos porque apenas fanáticos as conseguem mastigar, obrigam a desligar a inteligência, o respeito próprio e o mero senso comum para serem aceites sem gerarem um curto-circuito neuronal. Dizer – como está Rui Rio a imitar, assim provando em catadupa que não passa do enésimo líder decadente na direita – que Passos Coelho decidiu afundar o BES para ser o primeiro a resistir a Ricardo Salgado em Portugal não é só desvairadamente primário, é também cristalinamente revisionista e tem como obsceno fito esconder a tragédia financeira, económica e social que podia – e devia – ter sido evitada por Passos e Maria Luís Albuquerque.
Mas quem começar a falar deste caso por aqui, pela sua relevância e complexidade política, ainda não estará no ponto inicial da conversa. Esse remete para estas duas características do processo judicial:
– Durante os seis anos em que os procuradores tiveram a batata na mão e foram-na descascando e fritando, nunca a indústria da calúnia nem os seus caluniadores profissionais puderam explorar sensacionalismos e calúnias. Isso prova que é possível, no mais apetecível dos casos para os abutres de todas as cores e interesses, manter o Estado de direito inviolado no que ao segredo de Justiça diz respeito. Mais indica que nenhum advogado viu qualquer vantagem em cometer esse tipo de crime, ao contrário das acusações que são invariavelmente lançadas pelos agentes da Justiça quando confrontados com o caudal das suspeitas óbvias sobre a quem ele aproveita.
– Durante os seis anos em que o processo esteve em investigação, nenhum órgão de comunicação social apareceu com “investigações” próprias ou declarações acerca da culpabilidade dos visados. Não houve jornalistas de favolas à mostra e a babarem-se enquanto corriam para se constituírem assistentes. (se houve, aceito penhorado a correcção)
Isto significa que a violação do segredo de Justiça é uma arma política usada impunemente por procuradores, juízes e jornalistas em conluio. Significa que, como bolçou Joana Marques Vidal a rir, o regime quer continuar a servir-se desse tipo de crimes ao sabor dos arranjos fácticos de poder entre as suas partes, caso contrário legislava para aumentar a sua gravidade penal e autorizaria escutas aos próprios agentes da Justiça actualmente à-vontadex na passagem do que lhes apetecer aos compadres jornaleiros (e à-vontadex em que outros tipos de crime, então, e pela mesma lógica que os protege?). Significa que a Operação Marquês se resume quase exclusivamente à oportunidade para utilizar os instrumentos de devassa do Estado para exercer perseguição e castigo sobre alvos políticos – e isto feito com o beneplácito daqueles que na esquerda também o viram como vantagem; grupo onde se encontra o actual PS, por paradoxal que possa parecer aos ingénuos e distraídos.
Do blogue Aspirina B
Sem comentários:
Enviar um comentário