Era costume, os encontros entre pessoas se darem nas tabernas.
Jogava-se uma suecada, bebia-se uns copos de tintol, fruto do ganho ou da perda
da "sueca", pagava quem perdia, mas bebiam todos da mesma caneca.
Ainda não havia o problema do contágio do HIV (Sida), todos confiavam na saúde
férrea de cada compincha.
Copo, atrás de copo, o estômago e cabeça aguentavam até onde podiam, e
só se notava quando se punham a pé, ou seja, quando o jogo terminava. Aí é que
se via o efeito produzido pelos graus do sumo da uva. Alguns vociferavam: -
olá! isto não está para brincadeiras. Se a mandei vir (chiba) - bebedeira -
agora tenho de a carregar.
Havia duas personagens que se davam bem e nos fins-de-semana eram
parceiros do que relato em cima. Como inseparáveis que eram, quando se
encaminhavam para irem para o seu lar, e como em Freamunde, a luz eléctrica só
existia no centro e algum trajecto de estrada nacional, os arrabaldes eram
escuros como breu.
Dizia um: - Acompanho-te até tua casa e assim vou para a minha,
tranquilo, por que sei que nada de mal te aconteceu. Lá iam caminhando e
conversando as amarguras da vida. Os truques que deviam usar como parceiros da
sueca, para ganharem e assim beberem à borla. Dois passos à frente um à
retaguarda como acontece nestes casos. Havia alturas, em que era um passo à
frente… e dois atrás. Um virava-se para o outro e dizia: com este andar cada
vez estamos mais longe. O outro estava mais lúcido e retorquia: vamo-nos virar
em sentido contrário que assim o atraso não é muito.
Chegados a casa do que ficava mais perto quando se vão despedir com um
até logo, as horas já iam longas mas não sabiam quantas eram. Não eram
possuidores de relógios, esse artigo era para gente abastada, assim conseguiam
enganar as esposas sobre o horário da sua chegada. Nesse tempo é que devíamos
suportar o sinal horário de quarto em quarto de hora como acontece desde há
muito com as badaladas pelo relógio da Igreja Matriz.
Não te vou deixar ir sozinho! Não fico com a minha consciência
tranquila se te vier a acontecer algo. - Dizia o que estava perto de casa. E
assim foi. O outro morava bastante longe com acessos tanto ou mais difíceis o
que acabou por aceitar a companhia. Não fora só isto. Contribuiu também o
álcool que tinha ingerido. Chegados a casa do outro, outro dilema se deu.
Voltou-se a questionar o problema do acesso e a vinda sozinho. Nestas coisas de
álcool e noitadas o raciocino não é o melhor. Se um é teimoso o outro nada lhe
fica a dever.
Outra caminhada. Agora esta em sentido contrário. As horas cada vez
eram mais mas certeza de quantas eram não tinham. Mais à frente aperceberam-se
que já era de manhã pelo facto de vir em sua direcção uma mulher com um açafate
à cabeça que depois de se cruzarem viram que era a padeira.
As horas não importavam pelo facto de o dia que estava a nascer ser
domingo. O que interessava era o espírito de camaradagem que existia entre
eles. Nunca por nunca se deixa um amigo sozinho. Em outras ocasiões já tinham
demonstrado esta solidariedade, mesmo com o risco, de chegarem a casa e ouvirem
das suas consortes uma frase: vadio.
O que é certo é que com este procedimento, quer de um quer de outro, a
noite foi passando e o dia clareando e o que era feio e de difícil acesso
durante a noite, já não amedrontava com o raiar da aurora. Assim se passou uma
noite em que um e outro mostraram como a amizade é um factor preponderante e
que os amigos são para as ocasiões.
Estas duas personagens há anos que faleceram. Julgo que para onde foram
continuam a resguardar-se e a conservar a amizade.
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