(Viriato Soromenho Marques, in Blog Azores Torpor, 27/03/2025)

(A cambada lá conseguiu calar o Viriato na sua coluna semanal que mantinha, há anos, no Diário de Notícias, Andava a ser demasiado incómodo a abrir os olhos aos carneirinhos. Pelos vistos o homem agora tem que publicar em blogs de muito menor visibilidade. Mas há sempre alguém atento. Assim sendo, lá descobri mais este excelente artigo.
Estátua de Sal, 27/03/2025)
O único país que neste momento ameaça a soberania dos Estados da UE chama-se EUA. É doloroso ver o silêncio das instituições europeias perante a visita abrupta, não convidada, de governantes americanos à Gronelândia, como se fossem proprietários a visitar uma futura aquisição. As tropas que Macron, Merz e Starmer, insensatamente, querem colocar na Ucrânia, deveriam ser posicionadas ao serviço da Dinamarca para defesa da sua integridade territorial.
Em fevereiro de 2008, no regresso de uma reunião em Bruxelas na Comissão Europeia, comprei numa livraria do aeroporto um livro da notável jornalista e escritora Naomi Klein, intitulado A Doutrina de Choque. A Ascensão do Capitalismo de Desastre (The Shock Doctrine The Rise of Disaster Capitalism). Durante a viagem fiquei com os olhos colados às páginas do livro. Análises de trinta anos de expansão mundial do capitalismo turbinado pela pulsão de morte, aquilo a que chamamos, com excessiva elegância académica, “neoliberalismo”. Do quintal do Tio Sam à Grã-Bretanha de Thatcher, passando pelo Iraque, África do Sul, Polónia e a Rússia dos anos 90, entre outros estudos de caso, Klein guia-nos numa viagem de horror à destruição da coesão social de sociedades inteiras pela violência pura, mas também pela desigualdade e pobreza, desenhadas por políticas públicas destinadas a enfraquecer o Estado e a privatizar a economia em favor de um sistema financeiro sem pátria nem rosto. Para vencer a resistência dos cidadãos, o capitalismo de desastre cria narrativas de estado de emergência, coartando as liberdades básicas em nome das exigências de uma situação excecional, seja o combate a forças subversivas, ao terrorismo internacional, a calamidades naturais, a crises financeiras, a ameaças bélicas, a inimigos ocultos…Nessa altura, ingenuidade minha, pensei: “pelo menos na União Europeia nada de semelhante poderá acontecer. Aqui as instituições representativas e o estado de direito ainda funcionam razoavelmente…”.

O Inverno da austeridade europeia (2008-2016), no auge da crise do sistema financeiro internacional, revelando o modo como a zona euro foi construída em benefício de uma elite predadora e irresponsável, mostrou que o capitalismo de desastre estava também instalado na União Europeia. O mais horrível foi a grande mentira que encobriu a raiz da austeridade na Europa. Em vez de acusar como responsável pela crise, a ausência de regulação do sistema financeiro, instalado nos centros de poder em Washington e Bruxelas, o ónus caiu sobre o excesso de dívida pública dos Estados mais frágeis. Foram os milhões de assalariados e as camadas mais pobres da população que salvaram os bancos e os fundos de investimento, arruinados pela ganância e sofreguidão, sem limites legais de contenção, dos seus dirigentes.

Há três anos que a UE se arruína com o seu envolvimento incompetente e imoral na guerra da Ucrânia. Agora que os EUA, os grandes responsáveis por esta tragédia, lavam as mãos e fogem, com razão, de um confronto suicida com a Rússia, na UE, líderes detestados pelo seu povo, como Macron, ou a Comissão Europeia de Ursula von der Leyen (com o seu auxiliar no Conselho Europeu, António Costa) querem continuar a alimentar a guerra com a Rússia. Já não para salvar Kiev, mas para que o corpo dos soldados ucranianos sirva de muralha ao ataque russo contra a UE, propagandeado como inevitável até 2030, segundo alegadas informações dos serviços secretos alemães e dinamarqueses (uma data conveniente para condizer com o plano de rearmar a Europa, apresentado pela CE, extorquindo 800 mil milhões aos contribuintes europeus).

Tudo isto poderia ser considerado delírio ou sinistra fantasia, contudo tal interpretação seria não só ingénua, mas completamente errada. O único país que neste momento ameaça a soberania dos Estados da UE chama-se EUA. É doloroso ver o silêncio das instituições europeias perante a visita abrupta, não convidada, de governantes americanos à Gronelândia, como se fossem proprietários a visitar uma futura aquisição. As tropas que Macron, Merz e Starmer, insensatamente, querem colocar na Ucrânia, deveriam ser posicionadas ao serviço da Dinamarca para defesa da sua integridade territorial. Os EUA são também a maior ameaça à economia europeia, com a sua política de tarifas, que afundará ainda mais, por exemplo, o que sobra da indústria automóvel, particularmente na Alemanha.
Mas para que serve este auge da Doutrina de Choque que hoje é a política europeia oficial? Qual o motivo de provocar o pânico generalizado na população da UE, com o apelo da comissária europeia para a gestão de crises, Hadja Lahbib, que no dia 26 de março assustou os europeus com a urgência de um kit de sobrevivência para 72h., em virtude do profetizado perigo iminente de guerra (1)? Estou convencido de que se trata, fundamentalmente, duma corrida para a frente de gente incapaz de reconhecer a sua incompetência, a sua derrota, os imensos danos que causaram ao projeto da unidade europeia, colocando o atropelo da exceção no lugar da paz e da ordem de um estado de direito e justiça social. Quem hoje dirige os destinos europeus, rasgou os mínimos éticos, ao ponto de preferir lançar-nos a todos no abismo de uma guerra de destruição total, do que assumir perante os cidadãos europeus a sua responsabilidade pela tragédia para onde nos empurraram.
Referências:
(1) 26 03 2025 EU Warns of MASSIVE World War—Tells Europeans to Stock Food Shortages As Russia Ukraine Truce Fall. https://www.youtube.com/watch?v=1hmzo1GajMg
Fonte aqui