Rádio Freamunde

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sábado, 18 de maio de 2024

O acordo secreto que podia ter terminado com a guerra na Ucrânia em 2022:

 

Negociadores ucranianos e russos quase finalizaram um acordo de paz que podia ter terminado com a guerra na Ucrânia poucos meses depois de ter começado. O “documento secreto” é agora revelado.

A guerra na Ucrânia começou a 24 de Fevereiro de 2022, com a invasão da Rússia. Logo na altura, iniciou-se um processo de negociações entre representantes da Rússia e da Ucrânia com vista a um acordo de paz.

As linhas desse possível acordo constam de um “documento secreto” de 17 páginas, alegadamente elaborado por negociadores ucranianos e russos entre Fevereiro e Abril de 2022, e que é agora revelado pelo jornal alemão Die Welt e citado pelo francês Le Figaro.

O Die Welt consultou o documento original e aponta que só faltava limar algumas arestas que deviam ser “negociadas por Vladimir Putin e Volodymyr Zelensky” num encontro entre ambos que nunca aconteceu

As condições da Rússia

Na verdade, as condições impostas pela Rússia para retirar as suas tropas da Ucrânia parecem bastante desfavoráveis ao país invadido. Mas a Ucrânia estaria disposta a aceitar algumas delas.

O Die Welt cita que os russos exigiam que a Ucrânia adoptasse uma “neutralidade permanente” e que renunciasse a qualquer “aliança militar”, o que implicava não aderir à NATO.

Além disso, Moscovo pretendia a desmilitarização parcial da Ucrânia, com a redução do contingente militar de Kiev para 85.000 soldados em vez de um milhão.

E a Ucrânia não podia “receber, produzir ou adquirir” armas nucleares, nem permitir a presença de armas e tropas estrangeiras no seu país.

Mas a Rússia não se opunha à adesão da Ucrânia à União Europeia e comprometia-se a não voltar a atacar o país vizinho.

A Ucrânia obtinha ainda “o direito à legítima defesa” – como se não fosse algo já garantido pelo direito internacional.

E “no caso de um ataque armado contra a Ucrânia”, a Rússia comprometia-se a “ajudar Kiev a exercer o seu direito à auto-defesa, garantido pela Carta das Nações Unidas, num prazo máximo de três dias”, salienta o acordo citado pelo Le Figaro.

Moscovo também exigia que o russo “se tornasse a segunda língua oficial na Ucrânia”.

Divergências sobre a Crimeia

No documento, ficaram evidentes as divergências quanto ao estatuto da Crimeia, território ucraniano que a Rússia anexou em 2014. Esse seria um dos pontos que Putin e Zelensky teriam para limar.

A Rússia estaria disposta a retirar as tropas da Ucrânia, exceptuando da Crimeia e da região do Donbass.

“Foi o melhor acordo que poderíamos ter tido” na altura, terá confessado um membro da delegação negociadora ucraniana ao Die Welt.

Estes dados surgem num momento em que decorre uma nova ofensiva russa em Kharkiv, com Zelensky a insistir que precisa das armas prometidas pelo Ocidente.

Entretanto, Vladimir Putin nomeou o economista Andrei Belousov para o Ministério da Defesa. A decisão é encarada na Ucrânia como um sinal de que Putin está “a planear uma guerra para um longo período”.

ZAP

sexta-feira, 17 de maio de 2024

Ana Jorge: "Não me revejo em nada do que a ministra disse":

A provedora exonerada da Santa Casa rejeita as acusações de inação feitas pela ministra do Trabalho e esclarece: "Nós não interrompemos os negócios do Brasil". Ana Jorge disse ainda não saber se vai avançar com uma ação judicial contra o Estado e manifestou-se disponível para uma comissão de inquérito.

Ana Jorge rejeitou esta quinta-feira as acusações da ministra do Trabalho, Maria do Rosário Ramalho, na gestão da Santa Casa da Misericórdia. "Não me revejo em nada do que a senhora ministra disse", afirmou a provedora exonerada pelo Governo, depois de ouvir as duras cíticas da governante na Comissão de Trabalho, Segurança Social e Inclusão.  

Em entrevista na SIC Notícias, Ana Jorge rejeitou, por exemplo, a acusação de inação na gestão da Santa Casa e de ter usado a bengala do Estado durante o tempo que esteve à frente da instituição, o que não chegou a um ano: "Não é essa a minha interpretação, nem da Mesa, nem da grande generalidade dos trabalhadores da Santa Casa. Antes pelo contrário". 

"Ao fim de um mês de lá estarmos tomámos medidas reais de contenção de custos", começou por garantir, para depois criticar Maria do Rosário Ramalho. "A senhora ministra também disse que devíamos ter feito a venda de 60 milhões de património da Santa Casa para não termos um passivo tão grande. E eu pergunto se isso é uma boa medida de gestão?", questionou Ana Jorge, indicando que o património da instituição representa uma das fontes de rendimento da Santa Casa. 

Na mesma entrevista, a provedora exonerada disse que tinha como objetivo "reestruturar a casa por dentro", porque "uma casa que tem mais de 6 mil trabalhadores e tem cerca de 400 chefias não é funcional". Ana Jorge lembrou que, a 12 de abril, levou à ministra um relatório, dando conta das medidas que começaram a tomar "em junho de 2023". 

O objetivo era "reduzir custos com o pessoal" e aplicar "uma politica de contenção com gastos muito grande", referiu. "E conseguimos fazer isso", acrescentou Ana Jorge, que aproveitou para esclarecer que não foi contra a anterior Mesa, mas sim contra "os negócios ruinosos do Brasil".

"A primeira coisa que tivemos de fazer foi estancar a saída de dinheiro da Santa Casa para o Brasil", disse. "Nós não interrompemos os negócios do Brasil", reiterou Ana Jorge, explicando que, em maio de 2023, a Santa Casa recusou a ida de mais de 9 milhões de euros para os negócios do Brasil.

"A Santa Casa não poderia ser o banco dos negócios que estavam a ser feitos no Brasil", justificou. "Era uma rede de 11 empresas, era uma rede muito complexa. Nós suspendemos a ida de dinheiro, não suspendemos a atividade", repetiu.

Afirmando que não tem de saber de gestão para ser provedora, Ana Jorge assegurou: "Nunca agi em proveito próprio". 

A provedora exonerada afirmou ainda que não sabe se vai avançar com uma ação judicial contra o Estado perante a forma como saiu da Santa Casa. "Não pensei nisso ainda. Eu não gostei. Não sei se o vou fazer. Preciso de refletir, de terminar as funções, de fazer a passagem da pasta".

Considerou também que a Santa Casa "pode ter um futuros risonho" com "uma gestão muito apertada".

Disse estar disponível para uma comissão parlamentar de inquérito sobre a gestão da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, já pedida pela IL, Chega e BE, para que "toda a verdade possa ser falada". 

A ministra do Trabalho, Maria do Rosário Ramalho, acusou esta quinta-feira a provedora exonerada da Santa Casa de Lisboa "de ter encontrado um cancro financeiro, mas que tratou com paracetamol", apontando que a situação financeira piorou com Ana Jorge.

A ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social está a ser ouvida na Comissão de Trabalho, Segurança Social e Inclusão, a pedido dos partidos Iniciativa Liberal e Partido Socialista, por causa da situação financeira da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), a internacionalização dos jogos sociais e a exoneração da Mesa da provedora Ana Jorge.

Maria do Rosário Ramalho reiterou que não se tratou de uma exoneração política, mas antes justificou que teve a ver com a "situação gravíssima" da instituição e o facto de a Mesa não ter tido a atuação adequada perante essa situação.

"A situação financeira muito grave da Santa Casa já vem da anterior Mesa, mas agravou-se com a anterior provedora [Ana Jorge]", afirmou a ministra. 

A ministra apontou que, assim que tomou posse, procurou inteirar-se da situação financeira da SCML, tendo "confirmado" que, além de uma "situação gravíssima", havia "divergências entre os membros da Mesa", que levou à quebra da relação de confiança com a provedora.

"Quero deixar claro que a decisão de exonerar a provedora e a Mesa não tem quaisquer fundamentos políticos, como já foi dito, mas sim fundamentos de gestão a que se associa à perda irremediável de confiança", apontou a ministra.

No DN

Contributos para mais umas quantas notas de rodapé:

Por muito “ingénuos”, que certos telecomentadores se mostrem, a história conta-se mais ou menos assim: desafiado pela iminência do primeiro debate quinzenal com a oposição, Luís Montenegro terá convocado os assessores e ponderado no que poderia utilizar como argumentos a seu favor, quando mais do que provável seria imputarem-lhe os saneamentos políticos e a inação durante o primeiro mês de guardião do “pote”.

As decisões sobre o aeroporto, o TGV e a terceira travessia do Tejo eram fato feito à medida da urgência do momento: não só António Costa deixara-lhe a autoestrada pronta para por ela circular como - mais importante ainda! - sendo matérias mediáticas não o obrigam a sobre elas agir no imediato, podendo adiar ad eternum, qualquer passo nesse sentido. Tanto mais que adiar foi coisa, que sempre pode criticar em quem o antecedeu.

Já quanto ao aumento da atividade no aeroporto de Lisboa - dando assim plena satisfação às pretensões do amigo Arnaut! - foi dito e feito. Se não soubéssemos como o atual elenco (des)governativo estará prevenido quanto à coscuvilhice dos procuradores do ministério público, seria interessante conhecermos as conversas em que Pinto Luz terá combinado com a Vinci o aumento em quase 20% os voos diários a sobrevoarem a capital, ou a malcriada ministra do Trabalho terá convidado para provedor da Santa Casa um economista dado como pouco sério na gestão de um banco moçambicano. Muito provavelmente teríamos uma dimensão adulta para aquilo que um caso como o do centro de dados em Sines não passaria de coisa de meninos.

Ao fim de um mês, e mais do que ambíguas exonerações à parte, este tempo de Montenegro tem sido o de um singular vazio de decisões, que condiz com a inconsequência da sua existência. Prefigura-se mais um período da nossa História que, a ter alguma relevância, ficará cingida às das notas de rodapé. 

Publicada por 

Do blogue Ventos Semeados 

quinta-feira, 16 de maio de 2024

São Tomé e Príncipe e Rússia, arrogância e preconceito:

 (Major-General Carlos Branco, in Jornal Económico, 16/05/2024)

Passados 50 anos, não se assimilou o facto das relações de Portugal com os novos países de língua oficial portuguesa terem de se subordinar a uma lógica de pares inter pares.

Nos 50 anos do 25 de Abril, o Presidente da República (PR) de Portugal tomou a importante iniciativa de reunir no Centro Cultural de Belém os seis presidentes das antigas colónias portuguesas, que malogradamente arruinou por declarações inoportunas e sem sentido.

A assinatura de um acordo de cooperação militar entre São Tomé e Príncipe (STP) e a Federação da Rússia provocou um enorme frisson no establishment político doméstico. O PR disse que não sabia nada sobre o referido acordo, mas que o vai “querer conhecer”, defendendo simultaneamente a importância de salvaguardar a unidade da CPLP; o Ministro dos Negócios Estrangeiros (MNE) afirmou que Portugal e “outros Estados europeus manifestaram estranheza, apreensão e perplexidade perante este acordo”.

Além disso, um muito preocupado deputado da Iniciativa Liberal (IL) afirmou que Portugal não se pode manter “surdo e mudo” perante o que se está a passar ao nível da política externa de vários estados-membros da CPLP, referindo-se à participação do presidente da Guiné-Bissau nas celebrações do dia da vitória sobre as tropas nazis em Moscovo.

Tal ousadia das autoridades são-tomenses e guineenses exigia uma reprimenda pública para terem vergonha e não voltarem a “prevaricar”. Habituados a calarem-se quando outros Estados opinam sobre a sua política interna, presumiu-se que os visados se iriam comportar do mesmo modo. Mas o tiro saiu pela culatra. A resposta foi direta e poderosa, com o inconveniente de algumas das considerações serem difíceis de engolir. Puseram-se a jeito.

Não precisamos de Portugal“, disse o primeiro-ministro Patrice Trovoada. STP não precisa de Portugal para se relacionar com a Europa. As autoridades portuguesas só conhecerão o acordo militar com a Rússia se vier a ser publicado. “Aqui há o respeito pela soberania e há o respeito das regras diplomáticas, por conseguinte há coisas que não fazem sentido”, prosseguiu Trovoada.

Em resposta ao MNE, Trovoada disse que “isto é o problema do MNE de Portugal. Nós [STP] temos relações bilaterais com muitos países e não precisamos de Portugal para nos relacionarmos com outros países. Sejamos claros, se um país europeu quer manifestar preocupação, fala comigo, e não fizeram isso”. “[STP] Não pede para ver quando Portugal assina acordos com terceiros.”

E para dar o assunto por terminado, o chefe do governo são-tomense recordou que muitos países, incluindo os europeus, continuam a manter relações com a Rússia, apesar da guerra com a Ucrânia. “Eu quero também lembrar que muitos países europeus… continuam a importar gás, petróleo e urânio da Rússia”. Adiantando que “as coisas estão claras, estão tranquilas”, e o acordo com a Rússia “está em vigor” e vai acontecer.

O presidente guineense Umaro Sissoco Embaló fez declarações semelhantes às do primeiro-ministro Trovoada: “Não preciso de autorização de nenhum outro país ou Presidente da República para visitar a Rússia ou onde quer que seja. Eu sou soberano… não vou aceitar também que um presidente me peça autorização para visitar o Senegal. Isso não. A Guiné-Bissau é um Estado soberano e independente”, salientando que a política externa do país é determinada pelo respetivo governo.

No mesmo sentido, Zacarias da Costa, Secretário Executivo da CPLP, afirmou mais diplomaticamente que o acordo de cooperação militar celebrado entre STP e a Rússia “não é um drama”, sublinhando que, “naturalmente, temos [CPLP] de respeitar as decisões soberanas das autoridade de STP”. Seria bom retirar ilações destas reações, que colocaram Portugal numa situação incómoda e de grande fragilidade.

Cinquenta anos parece não ter sido tempo suficiente para se ultrapassar o paternalismo e algum complexo de superioridade do tempo colonial. Não se assimilou o facto das relações de Portugal com os novos países de língua oficial portuguesa terem de se subordinar a uma lógica de pares inter pares.

As declarações dos intervenientes nacionais foram tremendamente insensatas e imprudentes. Não nos recordamos de alguma vez terem criticado publicamente o Brasil pela adesão aos BRICS, ou os países europeus que participaram nas sanções à Rússia e que continuam a fazer negócio com Moscovo. Não entendemos por que motivo não expressaram o seu desconforto sobre o modo como a Hungria e a Eslováquia se relacionam com o Kremlin.

Comportamentos desta natureza não ajudam a diplomacia nacional a ganhar votos no Sul Global, ainda não refeito das marcas do colonialismo, na candidatura de Portugal a ocupar um dos dois lugares de membro não permanente do Conselho de Segurança da ONU, atribuído ao grupo da Europa Ocidental e Outros Estados, para o biénio 2027-2028.

As declarações do PR e do MNE criaram tensões desnecessariamente e alienaram a posição de Portugal no seio da CPLP. A crispação e o ruído que se seguiram não contribuíram para reforçar a coesão da organização. A participação do Brasil nos BRICS não colocou em causa a CPLP. Não se percebe porque é que o aprofundamento das relações de STP com a Rússia iria colocar agora. Faz sentido que os países diversifiquem as suas relações exteriores e escolham os seus parceiros. É uma prerrogativa dos Estados soberanos.

Os puristas da indignação tardia deviam fazer jus à sua incomodidade e levantar a voz contra a presença da Guiné Equatorial na CPLP, um país que não pauta exatamente o seu comportamento pelos valores democráticos que defendem. E, já agora, por uma questão de coerência, estenderem o critério a Angola e a Moçambique.

Estes desenvolvimentos com a Rússia não comprometem as cordiais relações de STP com os EUA, nomeadamente ao nível militar. Não há manifestação da vontade de STP renunciar ao acordo celebrado com a Voz da América, respeitante às estações de retransmissão que esta mantém em território são-tomense.

Ao contrário do que afirmam as cartomantes do comentário, o acordo entre STP e a Rússia, que só a estes diz respeito, não tem por objetivo atacar Portugal. São comentários sem sentido, que escamoteiam o cerne da questão e o que está verdadeiramente em jogo: as tensões que opõem o Ocidente à Rússia e à China numa competição geopolítica por influência no Sul Global. Esta é a interpretação mais plausível para esses acordos. Está ainda por perceber até onde vai a concertação entre Moscovo e Pequim. É subordinado a esta lógica que se deve ver a presença do presidente Embaló em Moscovo.

No debate deste tema, não podemos excluir a assinatura de um memorando de entendimento entre empresas chinesas e a Guiné-Bissau para construir infraestruturas ferroviárias, rodoviárias e aeroportuárias no país, em particular, um porto de águas profundas em Buba, que permitirá o escoamento da bauxite e a atracagem, em simultâneo, de três navios até 70 mil toneladas, abrindo as portas ao interior do continente.

A sua concretização contribuirá para aumentar a integração regional, desbloqueando o comércio internacional e o desenvolvimento do fluxo comercial de mercadorias em grande escala. Sem nos esquecermos do petróleo e do gás que existem em grandes quantidades nas águas sob soberania da Guiné-Bissau e do Senegal.

Como nos recordou em tempos um primeiro-ministro, estamos mesmo fadados para sermos alunos bem-comportados. A reprimenda à STP e à Guiné-Bissau serviu para mostrar serviço e obediência a um Deus maior, mesmo que isso seja em detrimento do interesse nacional. Assim, é difícil construir um país a sério.

Do blogue Estátua de Sal

terça-feira, 14 de maio de 2024

Jornalismo jornalismo:

Grupos de ódio mobilizaram campanha do Chega e “preparam o terreno” para que partido tome ações mais radicais.

 POR VALUPI

Do blogue Aspirina B

O Antigo Testamento – um manual de maus costumes:

(Whale project, in Estátua de Sal, 13/05/2024, revisão da Estátua)


(Este artigo resulta de um comentário a um texto que publicámos, de Chris Hedges, sobre os protestos nas universidades americanas contra a atuação de Israel em Gaza, (ver aqui). Pela sua atualidade, explicando as origens antigas da crença dos judeus no seu destino de “povo eleito”, resolvi dar-lhe destaque.

Estátua de Sal, 14/05/2024)


O escritor José Saramago, quase no fim da vida, ia sendo crucificado por dizer que a Bíblia era um manual de maus costumes.

Chamaram tudo ao homem mas, a verdade, é que o Antigo Testamento, ainda hoje seguido à letra pelos sionistas, é mesmo um manual de maus costumes.

E, um dos piores costumes lá relatados, para além de incestos, pais que matam filhos e filhos que matam pais, incentivos à violência contra crianças e jovens, é justamente o genocídio.

Segundo o mito fundador judaico, o tal Antigo Testamento, a primeira vítima foram os midianitas, ainda sob o comando de Moisés. Os guerreiros mataram todos os indivíduos do sexo masculino, dos velhos aos bebés, mas pouparam as mulheres. Ainda segundo este mito, Moisés terá ordenado que se matassem também as mulheres, exceto “as que nunca tiveram contacto com um macho”. Estás, deveriam rapar o cabelo e cortar as unhas, tornando-se escravas sexuais animalizadas dos assassinos das suas famílias. Mais lhes valeria a morte.

Tal como a Palestina do Século XX também a terra de Canaã tinha gente. Gente que nem sequer devia ser escravizada, devia ser toda morta, porque era impura e indigna de partilhar a terra com o povo de Deus. E, tal como hoje se desumanizam os palestinianos dizendo que são todos uns terroristas, se maltratam mulheres e se bodeiam homossexuais, também naquele tempo os cananeus eram acusados de licenciosidade sexual e sacrifício de crianças.

Nunca consegui perceber porque é que tal justificava que um bando de barbudos entrasse nas suas cidades e matasse, dos bebés aos velhos, e até os animais. No caso dos Amalequitas, o tal povo invocado pelo Netanyahu para justificar o seu genocídio, teria sido dada ordem para matar até os animais.

O primeiro rei de Israel, Saul, teria perdido os favores do carrancudo Deus de Israel por ter poupado a família real amalequita e alguns dos melhores animais, certamente a pensar numa eventual obtenção de um resgate por parte de povos aliados de Amaleque. O rei amalequita teria acabado retalhado por Samuel, um ensandecido e sanguinário sacerdote, que teria sido entregue pela mãe para servir os sacerdotes no templo, com a idade de seis anos.

Esta narrativa tornou-se um bico-de-obra para os cristãos quando se tratou de converter este Deus, apoiante do genocídio total, num Deus de paz, amor e perdão. O Islão resolveu o problema dizendo que Deus fez o seu pacto com Ismael e seus descendentes, e não com a descendência de Isaque. E que, mesmo fazendo-se a guerra santa contra os infiéis, se deveria dar uma oportunidade de conversão. Ou seja, Deus não mandou cometer genocídio, porra nenhuma. É talvez isso explique um bom número de confusões no islamismo.

O problema disto tudo é que os sionistas não evoluíram. Continuam como há quatro mil anos atrás. A maior parte dos católicos de hoje considera que os crimes da Inquisição foram isso mesmo, crimes. A maioria dos protestantes não caçaria hoje bruxas. Mas os sionistas voltariam a chacinar os cananeus e, é mesmo por isso, que hoje matam palestinianos como quem mata cães.

Os que protestam contra o genocídio mostram-se perplexos com o ódio manifestado pelos sionistas. Porque o sionismo é uma doutrina de ódio. Uma doutrina de vingança. Uma doutrina que diz que a vingança deve continuar até à septuagésima geração dos seus inimigos.

Eles vivem há quatro mil anos atrás mas usam a mais moderna tecnologia do século XXI para matar, matar e matar. Se pudessem matar todos os críticos de Israel, como estão a matar os palestinianos, não hesitariam um segundo. Mas, o que puderem fazer para lhes dar cabo do futuro, não deixarão de o fazer. Por isso é de louvar a coragem de quem não se cala. Apesar das ameaças, dos discursos de ódio de quem se baixa ao seu poderio económico, apesar de tudo.

Viva a coragem porque bem precisamos dela.

Do blogue Estátua de Sal 

A batalha pela verdade factual:

Quando em 1968 as forças do Vietname do Norte e da guerrilha Vietcongue iniciaram a sua poderosa Ofensiva do Tet, contra as tropas de Saigão e dos EUA, tinha eu acabado de completar 10 anos.

Lembro-me, vivamente, de como, apesar da censura, o trabalho dos repórteres ocidentais revelava cruamente, em imagens ainda hoje icónicas (como a da execução, à queima-roupa, de um prisioneiro comunista), a brutalidade da guerra. Nos lares de meio mundo, era possível ver as baixas e o sofrimento dos militares vindos das grandes cidades e do recôndito rural dos EUA. Nessa altura, a expressão “quarto poder” não era um exagero retórico, como o Caso Watergate o voltaria a provar em 1972. Contudo, os poderes que contam - o dinheiro e o seu braço político - aprenderam a prevenir, com mais ou menos sofisticação, essa liberdade capaz de manifestar a exuberância nua dos factos.

Sem o poder da imprensa livre, a Guerra do Vietname teria continuado e Nixon completaria tranquilamente o seu mandato.

Pouco antes da Ofensiva do Tet, a filósofa Hannah Arendt publicou na revista New Yorker um presciente ensaio intitulado Verdade e Política. Arendt salienta que o poder político tem uma incompatibilidade radical com a mais elementar manifestação da verdade, aquela que se limita a relatar e situar os acontecimentos nas coordenadas do espaço e do tempo: a verdade factual. A filósofa identifica até um conjunto de profissões e papéis sociais cuja essência consiste em testemunhar e defender a objetividade factual, correndo os seus praticantes o risco de ficarem sozinhos, ocupando “um ponto de vista fora do campo político”. O filósofo, o cientista, o artista, o historiador imparcial, o juiz, a testemunha e o repórter são, para ela, protagonistas de diferentes formas de dizer e defender a verdade factual.

Os factos suscitam opiniões e interpretações, mas não se confundem com elas. O conteúdo absoluto e único dos factos, é, contudo, muito frágil. Depende de validação, como ocorre nas testemunhas oculares de um crime chamadas a tribunal. Um exemplo: podem existir várias e contraditórias interpretações sobre as causas da I Guerra Mundial, mas nenhum revisionismo histórico pode anular a verdade factual absoluta de que a 4 de agosto de 1914, foi a Alemanha que invadiu a Bélgica e não o contrário.

A verdade factual está hoje em perigo por toda a parte. As democracias liberais, em recuo, cada vez mais subordinadas a interesses financeiros globais, não escapam à vontade de selecionar apenas os “factos” que satisfaçam as interpretações convenientes. A precariedade crescente da comunicação social torna-a mais vulnerável e menos independente. O assassinato deliberado de jornalistas em Gaza, pelo Exército israelita, mostra como até democracias podem ultrapassar a rudeza das autocracias.

Em contracorrente, o jornalista Bruno Amaral de Carvalho publicou um livro singular: A Guerra a Leste. 8 Meses no Donbass, Caminho. Ele ousou mostrar as vozes e os rostos, as vítimas, as pessoas de carne e osso, do outro lado da Guerra da Ucrânia. Começou a conhecer o Donbass, em 2018, quando o ataque do Governo de Kiev à sua população a leste, silenciado no Ocidente, provocava a fuga de refugiados para a Rússia. A invasão de 2022 tem atrás de si uma série causal que só os factos ajudam a compreender. São um sinal de esperança, os verdadeiros repórteres que preferem arriscar testemunhar os factos, recusando serem meros repetidores de interpretações prontas a usar.

Viriato Soromenho Marqies

OPINIÃO

11 maio 2024 às 00:00
A verdade factual está hoje em perigo por toda a parte. As democracias liberais, em recuo, cada vez mais subordinadas a interesses financeiros globais, não escapam à vontade de selecionar apenas os “factos” que satisfaçam as interpretações convenientes. A precariedade crescente da comunicação social torna-a mais vulnerável e menos independente. O assassinato deliberado de jornalistas em Gaza, pelo Exército israelita, mostra como até democracias podem ultrapassar a rudeza das autocracias.