Rádio Freamunde

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quarta-feira, 20 de novembro de 2024

Para memória futura da decadência ocidental:

(José Goulão, in AbrilAbril, 18/11/2024)

Os BRICS relacionam-se em plano de igualdade, valorizam acima de tudo a independência e a soberania de cada Estado de alguma maneira envolvido no processo e negoceiam entre si segundo perspectivas mutuamente vantajosas, a negação absoluta do espírito imperial ainda dominante no sistema de vida no planeta.

A cimeira dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) realizada no dia 25 de Outubro em Kazan, na Federação Russa, conseguiu reunir cerca de 50 delegações de alto nível de outros países, foi a primeira com a participação dos quatro novos membros de pleno direito – Egipto, Etiópia, Emirados Árabes Unidos e Irão – e criou um grupo de parceiros em situação de elevada sintonia com o espírito da organização: Argélia, Bielorrússia, Bolívia, Cuba, Indonésia, Cazaquistão, Malásia, Nigéria, Turquia (membro da NATO), Uganda, Uzbequistão e Vietname.

Ler artigo completo aqui

Do blogue Estátua de Sal

A propósito da patética (pateta?) sessão comemorativa:


Concordo em absoluto com a ausência da associação 25 de Abril e do Partido Comunista na patética sessão parlamentar sobre uma perspetiva deturpada do que significaram os acontecimentos de 25 de novembro de 1975, e até veria com muito bons olhos que o Partido Socialista, o Livre de Esquerda, também os imitassem. Deixassem as direitas na sua folgança apadrinhada por um Eanes, que nunca me enganou quanto à sua personalidade opusdeiana.

Está mais do que demonstrado que a História costuma ser feita pelos vencedores. A dúvida é se o PSD, o CDS, a IL e o Chega podem reivindicar essa condição, sobretudo tendo em conta que os setores, que representam, estiveram ausentes da batalha de então, sendo um dos setores abrilistas do MFA - o mais conservador - a, então, derrotar o mais propenso aos benefícios do poder popular. Daí que, se há quem se possa reivindicar vencedor desse confronto, foi o PS de Mário Soares, então mais preocupado em derrotar a enfatizada ameaça comunista do que em consolidar as mais representativas conquistas revolucionárias conseguidas até então, mormente as nacionalizações e a reforma agrária.

A menos que as atuais direitas já tenham conhecimento dos documentos secretos da CIA sobre esse período e confirmem uma das possíveis leituras do então sucedido: que os paraquedistas  terão caído numa armadilha ciosamente preparada pela espionagem comandada por Frank Carlucci e propiciado aquela que é outra tese formulada por alguns historiadores - a da inação comunista nesse dia por ter havido a prévia negociação de um neotratado das Tordesilhas entre russos e americanos, deixando Angola para os primeiros e Portugal para o redil da dita aliança atlântica.

Ainda assim, mesmo nessa hipótese, Carlucci alimentava por essa altura uma amizade muito peculiar com o líder socialista. Razão para, mesmo se a intentona foi alimentada pelos serviços secretos norte-americanos, o 25 de novembro tenha acabado por resultar na vitória daqueles que os norte-americanos pareciam prezar como os seus melhores amigos. E que não eram Sá Carneiro, nem tão pouco Freitas do Amaral por muito que os partidos da dita Aliança Democrática insistam em querer colar-se a um sucesso que, militarmente, não foi seu. Mesmo que os seus titereiros tenham acabado por ser injustos beneficiários...

As patifarias que acontecem na Assembleia desta república:

(Miguel Castelo Branco, in Facebook, 19/11/2024)

Portugal tem relações diplomáticas com a Rússia que datam desde o século XVIII, ou não diz o portal da nossa embaixada em Moscovo que “não obstante a distância geográfica, Portugal e a Rússia partilham uma História multisecular, uma relação de amizade e de respeito mútuo construída a partir de inúmeros e multifacetados contactos, tanto oficiais como pessoais, no campo cultural, económico, comercial e político-diplomático”?

Espanta-me, e espantará a qualquer pessoa com um mínimo do sentido de oportunidade, decência e até preparação que na nossa Assembleia da República tenha hoje sido inaugurada uma exposição sobre a corrente guerra no Leste europeu (ver aqui) em que, para animar fotos, se exibem objetos pertencentes a militares russos mortos em combate. Se esta miserável porcaria configura o deplorável crime de profanação de cadáveres, bom seria que a segunda figura do Estado, se tivesse um mínimo de reserva, não tivesse marcado presença no evento, assim como interditasse que naquele lugar tenham cabimento provocações sórdidas deste jaez e que se houver naquela casa meia dúzia de deputados com recato e embaraço, façam chegar a quem de direito o seu protesto.

A cobardia e a impudência de mãos dadas a alimentar uma falange de desequilibrados que expõem gratuitamente Portugal a retaliações que, tenhamos a certeza, vão cobrar a este país frívolo e inconsciente um duro tributo.

Honestamente, colocando-me na posição dos russos, mandava chamar o embaixador acreditado em Lisboa, confiando a representação a um encarregado de negócios, pediria satisfações ao governo português e pedia à nossa embaixadora em Moscovo que abandonasse o país.

Do blogue Estátua de Sal 

Imaginem que um terrorista se esconde na escola dos vossos filhos:

E o Governo decide bombardear toda a escola e matar todas as crianças para matar o terrorista. Sequer vou debater quem é o alegado terrorista, o que é a violência colonial e a resistência, o que é o Hamas ou não é, assuma-se que aquele homem escondido na escola será o pior ser humano do mundo, alguém pode alguma vez aceitar que um governo faça explodir 18 mil crianças e deixe dezenas de milhar amputadas, sem pernas, sem braços, destruídas mentalmente para sempre para matar quem quer que seja do Hamas? Como se pode matar médicos e enfermeiros porque estava aí escondido um membro do Hamas, ou mesmo mísseis? Sim, imaginemos que amanhã os piores criminosos do mundo se barricam no Hospital Santa Maria, que faz o Governo? Bombardeia o hospital? Quem não percebe isto e não toma posição, é cúmplice. Não há nenhuma comparação entre o que se passa na Ucrânia e em Gaza. A Ucrânia é uma guerra trágica, Gaza é um campo de morte, sem fuga possível. Os nazis esconderam os campos de concentração e extermínio, e negaram a sua existência; os bombardeamentos de civis eram vistos como intoleráveis. E também negados na II Guerra, até se tornar claro que eram uma opção. Mesmo na guerra do golfo inventaram "dano colateral". Israel e os governos cúmplices matam em directo, todos os dias, não negam, não lhe chamam dano colateral, vemos mesmo os líderes políticos e militares salivarem como loucos com a matança. Sim, é o mais importante combate das nossas vidas. Defender a Palestina. Porque do outro lado está a defesa, para todo o mundo, de que não há qualquer lei na guerra e de que vale tudo. Até o extermínio, caído do céu, em directo.

Raquel Varela

OLHAR OS DIAS EM QUINZE NOTAS:

1. As palavras têm um peso, mas as mesmas palavras não querem dizer exatamente o mesmo. Biden defendeu hoje a independência da Ucrânia. Putin também podia dizer isso, mas querendo significar que gostaria de transformar a Ucrânia num país tão "independente" como é a Bielorrússia.

2. A Ucrânia, nos dias de hoje, só formalmente é um país independente. Um Estado que necessita da ajuda de outros para existir, é um país altamente dependente, qualquer que seja a razão por que isso acontece - neste caso, porque está a ser invadido por outro.
3. Não há uma forma apenas da Ucrânia ser independente. Aquela que o governo de Kiev desejaria é, muito provavelmente, inviável: ser simultaneamente membro da NATO e da UE. Mas não está provado que seja impossível, por exemplo, preservar a independência de uma Ucrânia neutral.
4. Uma Ucrânia neutral seria uma solução injusta, na perspetiva de Kiev. De facto, a neutralidade não faria jus à luta de quem, desde há mais de uma década, perdeu muita gente na batalha por outro modelo. E teria o "defeito" de agradar a Moscovo. Só que, às vezes, a vida é o que é.
5. Se a Ucrânia, em 1991, tivesse mostrado vontade constitucional para acomodar a minoria russa, tudo teria sido diferente? Ou se, mais tarde, tivesse aceitado Minsk II? Ou a tentação de Moscovo, em 2014, já com a Crimeia "no bolso" e a humilhação de Maiden, seria intravável?
6. Quem não deseja uma Ucrânia neutral é também a Europa. A Ucrânia, para além dos sentimentos e da retórica, é vista por muitos na UE/NATO como uma conveniente "almofada" de proteção face aos humores futuros da Rússia autocrática de Putin ou de quem lhe suceder no mesmo registo.
7. Para essa Europa, alguma russófoba, uma Ucrânia sob a proteção do "artigo 5°" seria o cenário ideal, na presunção de que os "donos" da NATO, isto é, os EUA, mantivessem as suas garantias, o que hoje está longe de estar assegurado. Trump não durará sempre, mas ainda pode vir pior.
8. A Europa evita falar do assunto, mas talvez não seja por acaso que não se ouve uma única palavra sobre a hipótese da Áustria entrar para a NATO. É que, ao contrário da Suécia e Finlândia, a neutralidade de Viena ficou gravada na sua constituição. É oportuno agora recordar isto.
9. Os dias estão e, por algum tempo, vão continuar tensos entre Moscovo e o lado de cá. Mas lembraria o óbvio: a Rússia vai ficar sempre por ali e, como se sabe, com os vizinhos, por mais desagradáveis que eles sejam, há que saber encontrar um "modus vivendi".
10. Se um poder "absoluto" como o de Trump tivesse alguma racionalidade, para além da desbragada afirmação egoísta dos interesses americanos, esta seria uma oportunidade de ouro para pilotar uma nova arquitetura de segurança europeia - com UE, NATO, Ucrânia e Rússia. Mas não tem.
11. Não sendo expectável que sejam os EUA a empenharem-se numa nova "détente", neste caso no (eventual) termo de uma Guerra Quente, restará à Europa fazer pela vida, se, como tudo o indica, Trump lhe impuser uma solução desagradável, à custa da soberania ucraniana.
12. Mas, na narrativa eufórica e jingoísta, a Europa "va-t-en guerre". Pois isso! A Europa não é um país, são 27 vontades, umas raivosas, outras cansadas, outras declaratórias, como a senhora Von der Lyen, armada de balas de papel e de papel para comprar balas para outros dispararem.
13. Quando o telefone toca no Kremlin e é de Berlim, Putin deve ter achado graça. Scholz telefonou para dizer nada. Macron atrasou-se e vai agora inventar qualquer coisa para lembrar a sua "force de frappe". Até na coreografia díspar a Europa mostra que não sabe o que há-de fazer.
14. Surgem as armas de longo alcance. O estertor das presidências americanas é mau conselheiro. Em 2008, Saakashvili caiu num engodo saído de Washington e foi o que se viu na Geórgia. Veremos se Zelensky tem uma noção minimamente realista das coisas. O seu país tem já muitos mortos.
15. Há muito que os dias não estavam tão perigosos. Este é o tempo dos líderes serem responsáveis, talvez mais do que as suas opiniões públicas, prenhes de emoções e de "dever ser". Recorda-se por aí o início da Segunda Guerra. Tenham juízo! Nessa altura ainda não havia bomba atómica.

terça-feira, 19 de novembro de 2024

Jogos de guerra ou brincar com o fogo:

 

(Vai para 10 anos (3.2.2015), publiquei aqui este texto, sob o título em epígrafe. Nos dias de hoje, imagino que a sua leitura possa chocar muita gente, embora, à época, e curiosamente, não tivesse sido muito controverso. A guerra civil a aludo no início do texto é a que estava a ter lugar entre Kiev e os autonomista russófonos do Donbass. A guerra entre Moscovo e Kiev só surgiu sete anos mais tarde).

" Há uma guerra civil em curso na Ucrânia, que está a agravar-se de forma perigosa. As perdas humanas são já muitas e a barbaridade de certas ações, que não poupam civis, tornam o diálogo e a capacidade de compromisso cada vez mais difíceis, a menos que um dos lados venha a desequilibrar as coisas em seu favor. 

Porque não acredito que seja possível unificar toda a Ucrânia (e já dou por adquirido que a secessão da Crimeia é um ponto assente) sob a autoridade de um governo de Kiev que não conceda um estatuto particular às minorias russas ou russófilas, acho desastrosa a aventura - porque é de uma perigosa aventura que se trata - de rearmamento desse mesmo governo, a que o mundo ocidental se tem dedicado, de forma mais ou menos velada. Os "amigos" da Ucrânia que entusiasmaram os revoltosos da praça Maidan a derrubar um presidente eleito democraticamente e a desencadear uma pulsão anti-russa que conduziu ao estado de coisas atual foram irresponsáveis, têm nome: chamam-se NATO e União Europeia. Em lugar de perceberem que a especificidade geopolítica do país impunha um sentido de compromisso, injetaram em Kiev sonhos de adesão àquelas duas instituições e a ilusão de que, pela força, poderiam vir a impor esse "salto" geopolítico, explorando a fragilidade conjuntural de Moscovo. Derrotado pela Rússia na Geórgia, o "Ocidente" quis tirar desforço na Ucrânia. O resultado está à vista, com a Rússia a financiar e municiar os revoltosos, havendo fortes suspeitas de que haja mesma russos a lutar ao seu lado.

A Rússia perdeu a Guerra Fria mas permanece no seu lugar geográfico de sempre. Não perceber isto, à luz de proselitismos de oportunidade, é brincar com o fogo. O poder vigente em Moscovo, não sendo uma ditadura, está já longe de ser democrático. Putin é um quase autocrata que, tal como aconteceu no passado, se alimenta do nacionalismo para se impor internamente. Tem hoje taxas elevadíssimas de popularidade e a crise económica em que o país entrou, por via da quebra do preço do petróleo, cria um sentimento de insegurança na população russa que facilita a sua entrega a um "guia". Porque não há um verdadeiro sistema de "checks and balances" no país, o poder está hoje muito concentrado em Putin. Ora a História já provou que as assimetrias entre o processo de decisão das democracias e dos regimes mais ou menos autoritários provoca facilmente os conflitos, porque tem mecanismos diferenciados de formatação.

Os países ocidentais devem entender, de uma vez por todas, que os russos não vão deixar esmagar os seus "irmãos" do lado de fora da sua fronteira (e que viveram sob a mesma bandeira até há escassas décadas atrás) e que cada dia em que estimulem o governo ucraniano a reprimir as revoltas de Donetsk e Lugansk é um dia a menos para uma possível intervenção militar direta de Moscovo. Nesse dia, o que fará a NATO? Vai para a guerra? Não haverá consenso ocidental para uma operação NATO na Ucrânia, porque não estamos perante uma situação de invocação do artigo 5° do Tratado de Washington (agressão a um Estado membro). Haverá uma "coalition of the willing" dentre os Estados NATO para enviar tropas para a Ucrânia? Se alguns ensandecessem por esta via, aí sim, estaríamos a caminho de um novo conflito global. 

Torna-se urgente uma mediação internacional que ponha cobro a esta situação e - tenho pena em constatar isto - duvido que os países da União Europeia tenham hoje um estatuto reconhecido de independência que lhes permita executar esse papel. Esse compromisso poderia passar pelo reconhecimento por Kiev de um estatuto especial das zonas russas da Ucrânia no âmbito do seu país, pelo abandono das pretensões de "independência" ou de integração na Rússia por parte dessas regiões, pelo reforço de garantias de Moscovo do respeito pelas fronteiras ucranianas, por uma substancial ajuda financeira ocidental para fins não militares ao governo de Kiev, ligado a um programa de reconstrução nacional que incluiria as zonas pró-russas (para as quais Moscovo poderia contribuir com ajuda não letal). 

Para tal, impunha-se um prévio cessar-fogo na base de um "stand-still" de posições no terreno, fiscalizado por uma operação de separação de forças decidida pelo Conselho de Segurança da ONU. Por muito que me custe ter de admitir, a OSCE, organização a que dei alguns anos de trabalho, parece ter esgotado a sua capacidade de intervenção neste conflito e a Europa terá de aceitar que um instrumento criado para pilotar o fim da Guerra Fria tem poucas condições de operacionalidade quando um novo modelo de tensão Leste-Oeste se consagra paulatinamente.

Alguns dirão que o que acima escrevi não tem qualquer sentido, que assim se abriria a porta a mais um "frozen conflict" na área e que, no fundo, isso representaria uma abdicação de princípios e interesses estratégicos. A esses apenas perguntaria se estarão dispostos a ver os filhos morrer na estrada para Donetsk."

(Passaram quase dez anos sobre este meu texto. No entretanto, houve uma guerra muito mortífera para os dois lados. Não me parece, contudo, que os pressupostos básicos tenham mudado.)

Verdade: