O quartel entrou em fase de beneficiações. O capitão era dotado para
obras, tinha habilidade e visão. A primeira coisa a fazer foi alagar as
camaratas - eram em madeira - foram construídas em blocos de cimento para
termos melhores condições de habitabilidade. Depois mandou arranjar a cozinha e
o refeitório dos soldados.
O Carneiro, soldado atirador, tinha bastante medo de andar na mata em
operações e como era carpinteiro de profissão, foi escolhido para fazer parte
dos impedidos das obras. Ficou contente, disse-me - que alívio.
Um dia quando ao demolir o telhado do refeitório deu uma queda, ficou
bastante ferido, foi evacuado para o hospital militar de Luanda, mais tarde,
para o hospital militar de Lisboa. Partiu a coluna e a bacia. Passou a
deficiente das forças armadas. É do meu concelho. Encontramo-nos várias vezes e
falamos da sua infelicidade. Hoje anda agarrado a umas canadianas. A ânsia de
ir para as obras.
Da esquerda para a direita: Refeitório e Cozinha, Bar do Soldado e Enfermaria
O refeitório foi criado de raiz, ficou bonito, dava gosto lá ir embora
o comer não fosse grande coisa. Comíamos uma vez por semana batatas com atum,
passou a duas, à terceira, só comemos a sopa e pedimos autorização para sair do
refeitório. O oficial dia não nos deixou sair e chamou o capitão. Foi-nos dito
que enquanto não comêssemos as batatas com atum, não era servida outra ementa.
Nos outros dias continuamos só a comer a sopa, uma pequena parte de
soldados não aguentou e quebrou o acordo. A partir daí nunca mais entrei em
revindicações. Cada um que se regesse por si.
Comentava-se que nos davam esse comer para poupar para fazerem obras.
Uma coisa era certa, já tínhamos umas condições condignas: camaratas,
refeitório, cozinha, quartos de banho, balneários com chuveiros, nestes dava
gosto e sabia bem tomar banho de duche. Os banhos eram a qualquer hora e até já
havia mulheres (bailundas) capturadas.
Um dia quando me dirigia para o refeitório para almoçar deixei cair o
talher, como não havia lavatórios no refeitório - isso seria um luxo - pedi ao
oficial dia para o ir lavar. Dirigi-me aos lavabos e quando lá entro, encontro as
bailundas, todas nuas a tomar banho. Era a melhor hora para tomarem banho e não
serem vistas. A partir desse dia tive sempre azar: o talher caia-me sempre.Bailundas e Bailundos
Estas mulheres a quem chamo ”bailundas”, umas tinham sido apanhadas na
mata em operações, outras, entregaram-se. Estávamos bem de vida. Regularmente
íamos ao Caxito, tínhamos caras femininas no quartel, cinema às quartas-feiras.
Cinema ao ar livre
A partir de uma certa data começamos a dar protecção à J.A.E.A., para
não virem todos os dias as máquinas para o quartel. Montou-se um acampamento.
Um pelotão ficava a dar protecção durante o dia aos trabalhadores e à noite as
máquinas vinham para próximo do acampamento. Ao terceiro dia o pelotão era
rendido por outro.
O soldado rádio telefonista, além de responsável pelas comunicações,
também era responsável pelas bebidas que eram vendidas aos soldados e trabalhadores
da J.A.E.A. Ficava sempre uma secção no acampamento durante o dia para qualquer
emergência.
Um dia encontrava-me a desempenhar essas funções e vinha um soldado de
cada vez de essa secção comprar cervejas, eu estava autorizado a vender no
máximo duas, fora a da refeição, no período laboral. Como todos os dias ia um
pelotão buscar os trabalhadores, um desses soldados, pediu ao alferes para se
deslocar ao quartel precisava de resolver uns assuntos.
Ao outro dia de manhã, quando chegou o pelotão com os trabalhadores
disseram-nos que esse soldado andou aos tiros na camarata. Os soldados que
estavam na cama a descansar atiraram-se para debaixo dela. O soldado quando viu
todos deitados no chão julgou que os tinha morto, saiu da camarata e deu um
tiro no coração. Foi pedida uma evacuação aérea.
A sorte é que foi com a G3, e como é grande e pesada houve uma pequena
inclinação que foi o bastante para não atingir o coração. Não morreu ninguém.
Passado pouco tempo o soldado encontrava-se operacional. Fui ouvido e nada
sofri. Foi confirmado que antes de ele ter dado os tiros, esteve a beber
cervejas no bar do soldado do quartel.
Tínhamos muito serviço, o comando de sector mandou ir um pelotão do
Caxito para fazer a segurança à J.A.E.A., da minha companhia ia o condutor, o
enfermeiro, o cozinheiro e o rádio telefonista. Em Angola por volta das 18
horas já é noite. Não tínhamos nada para nos entreter. Um dia o alferes
perguntou-me se de nós não havia alguém que cantasse ou fizesse alguma
brincadeira para se passar o tempo. Disse-lhe que o soldado cozinheiro, José
Manuel - gostava que lhe chamássemos Bicho - tinha um certo jeito para cantar e
contar anedotas.
Foi chamado o Bicho à presença do alferes que lhe pediu para fazer
essas brincadeiras, ao que lhe respondeu. Tenho de beber umas cervejas para
ficar animado e só depois é que me encho de coragem para fazer isso. O alferes
mandou que lhe servissem umas cervejas para ele beber. Chegado à meia dúzia, o
alferes disse - então não canta? Diz-lhe o Bicho. - Tenho de estar animado.
Chegou à dúzia a mesma coisa. Nas dezoito disse que ainda não estava animado.
Diz-lhe o alferes. - À minha custa não vai animar. Também não ficou a saber se
ele cantava bem. Nós sabíamos e que bem cantava.
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