quarta-feira, 4 de agosto de 2010

As beneficiações no quartel:



O quartel entrou em fase de beneficiações. O capitão era dotado para obras, tinha habilidade e visão. A primeira coisa a fazer foi alagar as camaratas - eram em madeira - foram construídas em blocos de cimento para termos melhores condições de habitabilidade. Depois mandou arranjar a cozinha e o refeitório dos soldados.
O Carneiro, soldado atirador, tinha bastante medo de andar na mata em operações e como era carpinteiro de profissão, foi escolhido para fazer parte dos impedidos das obras. Ficou contente, disse-me - que alívio.
Um dia quando ao demolir o telhado do refeitório deu uma queda, ficou bastante ferido, foi evacuado para o hospital militar de Luanda, mais tarde, para o hospital militar de Lisboa. Partiu a coluna e a bacia. Passou a deficiente das forças armadas. É do meu concelho. Encontramo-nos várias vezes e falamos da sua infelicidade. Hoje anda agarrado a umas canadianas. A ânsia de ir para as obras.

Da esquerda para a direita: Refeitório e Cozinha, Bar do Soldado e Enfermaria


O refeitório foi criado de raiz, ficou bonito, dava gosto lá ir embora o comer não fosse grande coisa. Comíamos uma vez por semana batatas com atum, passou a duas, à terceira, só comemos a sopa e pedimos autorização para sair do refeitório. O oficial dia não nos deixou sair e chamou o capitão. Foi-nos dito que enquanto não comêssemos as batatas com atum, não era servida outra ementa.
Nos outros dias continuamos só a comer a sopa, uma pequena parte de soldados não aguentou e quebrou o acordo. A partir daí nunca mais entrei em revindicações. Cada um que se regesse por si.
Comentava-se que nos davam esse comer para poupar para fazerem obras. Uma coisa era certa, já tínhamos umas condições condignas: camaratas, refeitório, cozinha, quartos de banho, balneários com chuveiros, nestes dava gosto e sabia bem tomar banho de duche. Os banhos eram a qualquer hora e até já havia mulheres (bailundas) capturadas.
Um dia quando me dirigia para o refeitório para almoçar deixei cair o talher, como não havia lavatórios no refeitório - isso seria um luxo - pedi ao oficial dia para o ir lavar. Dirigi-me aos lavabos e quando lá entro, encontro as bailundas, todas nuas a tomar banho. Era a melhor hora para tomarem banho e não serem vistas. A partir desse dia tive sempre azar: o talher caia-me sempre.

                                                               Bailundas e Bailundos
Estas mulheres a quem chamo ”bailundas”, umas tinham sido apanhadas na mata em operações, outras, entregaram-se. Estávamos bem de vida. Regularmente íamos ao Caxito, tínhamos caras femininas no quartel, cinema às quartas-feiras.

Cinema ao ar livre

A partir de uma certa data começamos a dar protecção à J.A.E.A., para não virem todos os dias as máquinas para o quartel. Montou-se um acampamento. Um pelotão ficava a dar protecção durante o dia aos trabalhadores e à noite as máquinas vinham para próximo do acampamento. Ao terceiro dia o pelotão era rendido por outro.
O soldado rádio telefonista, além de responsável pelas comunicações, também era responsável pelas bebidas que eram vendidas aos soldados e trabalhadores da J.A.E.A. Ficava sempre uma secção no acampamento durante o dia para qualquer emergência.
Um dia encontrava-me a desempenhar essas funções e vinha um soldado de cada vez de essa secção comprar cervejas, eu estava autorizado a vender no máximo duas, fora a da refeição, no período laboral. Como todos os dias ia um pelotão buscar os trabalhadores, um desses soldados, pediu ao alferes para se deslocar ao quartel precisava de resolver uns assuntos.
Ao outro dia de manhã, quando chegou o pelotão com os trabalhadores disseram-nos que esse soldado andou aos tiros na camarata. Os soldados que estavam na cama a descansar atiraram-se para debaixo dela. O soldado quando viu todos deitados no chão julgou que os tinha morto, saiu da camarata e deu um tiro no coração. Foi pedida uma evacuação aérea.
A sorte é que foi com a G3, e como é grande e pesada houve uma pequena inclinação que foi o bastante para não atingir o coração. Não morreu ninguém. Passado pouco tempo o soldado encontrava-se operacional. Fui ouvido e nada sofri. Foi confirmado que antes de ele ter dado os tiros, esteve a beber cervejas no bar do soldado do quartel.
Tínhamos muito serviço, o comando de sector mandou ir um pelotão do Caxito para fazer a segurança à J.A.E.A., da minha companhia ia o condutor, o enfermeiro, o cozinheiro e o rádio telefonista. Em Angola por volta das 18 horas já é noite. Não tínhamos nada para nos entreter. Um dia o alferes perguntou-me se de nós não havia alguém que cantasse ou fizesse alguma brincadeira para se passar o tempo. Disse-lhe que o soldado cozinheiro, José Manuel - gostava que lhe chamássemos Bicho - tinha um certo jeito para cantar e contar anedotas.
Foi chamado o Bicho à presença do alferes que lhe pediu para fazer essas brincadeiras, ao que lhe respondeu. Tenho de beber umas cervejas para ficar animado e só depois é que me encho de coragem para fazer isso. O alferes mandou que lhe servissem umas cervejas para ele beber. Chegado à meia dúzia, o alferes disse - então não canta? Diz-lhe o Bicho. - Tenho de estar animado. Chegou à dúzia a mesma coisa. Nas dezoito disse que ainda não estava animado. Diz-lhe o alferes. - À minha custa não vai animar. Também não ficou a saber se ele cantava bem. Nós sabíamos e que bem cantava.

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