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quinta-feira, 21 de agosto de 2025

História do urso Zahar…

Bruno Amaral de Carvalho, in Facebook, 20/08/2025, Revisão da Estátua)

Em conversa com amigos de Donetsk, a principal cidade do Donbass onde eu mais tempo passei como jornalista, perguntei-lhes como estavam a ver os encontros sobre o conflito que estiveram a ocorrer nos Estados Unidos. Recordaram-me que, para eles, a guerra dura já há 11 anos e que, tal como olharam com baixas expectativas para os Acordos de Minsk – que a Ucrânia nunca cumpriu -, fazem a mesma coisa agora.

Ouvem o zumbido diário dos drones ucranianas sobre as suas cabeças e ainda há poucos dias morreu uma idosa na cidade depois de um ataque de Kiev. Porque é que não há jornalistas ocidentais a reportar o que acontece no Donbass, controlado maioritariamente pelas forças russas? O desequilíbrio na cobertura jornalística permanece. Não há cidade alguma controlada pelas forças ucranianas, longe da linha da frente, que viva aquilo que esta gente vive e é, sobretudo, nessas cidades que os jornalistas ocidentais se concentram.

Até ao momento, não comentei as conversações em curso sobre a guerra na Ucrânia e parece-me cada vez mais claro que os aliados europeus de Zelensky só aceitarão um acordo se tal lhes for imposto por Washington. Como tenho sublinhado várias vezes, parece-me óbvio que nem Kiev nem os seus aliados querem parar a guerra. A Rússia tampouco tem pressa, uma vez que está em vantagem no teatro das operações.

Dizia Emmanuel Macron que Vladimir Putin é um predador e que está às portas da Europa. Há que recordar uma e outra vez – independentemente da nossa simpatia ou antipatia pelo presidente russo -, que Moscovo é uma capital europeia e que a Rússia é também parte da cultura do nosso continente. Dostoievski, Gorki, Gogol, Kadinski, Chagall, Tchaikovski, Prokofiev, Catarina, Nicolai II, Lénine, Stalin. Todos eles fazem parte da nossa história diversa e comum. A demonização e brutalização da Rússia pelo Ocidente político é parte da propaganda de guerra.

Muitos comentadores televisivos continuam a alinhar na propaganda e a chocar com os factos. Recordo que a guerra não começou em 2022. Começou em 2014. Ao golpe de Estado patrocinado pelo Ocidente – que derrubou o legítimo presidente da Ucrânia para lá meter um aliado dos Estados Unidos e da União Europeia -, seguiu-se uma revolta com o apoio de Moscovo que teve como protagonistas as regiões russófonas que tinham votado maioritariamente em Viktor Yanukovych.

Foi esse novo regime pró-ocidental que proibiu partidos, associações, jornais, que ilegalizou o uso da língua russa, entre outras, nas instituições e nas televisões, que impediu a celebração da data que derrotou o nazi-fascismo, que promoveu paradas neonazis e que cometeu massacres em Odessa e em Mariupol com poucos dias de diferença.

O Ocidente empurrou a Ucrânia para a guerra civil e dividiu as populações e, posteriormente, aconselhou Kiev a assinar os Acordos de Minsk para evitar que os separatistas ganhassem mais territórios. Angela Merkel e François Hollande assumiram em 2022 que só tinham apoiado esses Acordos de paz para dar tempo à Ucrânia para se armar e treinar as suas tropas. Nunca quiseram realmente o fim da guerra. Será desta vez?

Argumentam que a constituição ucraniana não permite a cedência de territórios. Mas por acaso não foram precisamente estes protagonistas que rasgaram a anterior constituição, proibiram partidos e derrubaram um presidente? Quem fez tudo isso não terá certamente dificuldade em imaginar formas de reformar a constituição atual.

Termino com uma história bonita. No jardim zoológico que visitei em 2022 em plena guerra, acaba de nascer um urso. Chamaram-lhe Zahar. Como Zaharchenko, o presidente separatista do Donbass, que se sentou à mesa com os ucranianos para negociar a paz. Foi assassinado pelos ucranianos com um atentado terrorista em 2018.

Do blogue Estátua de Sal

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