quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

O meu tempo de criança:

                                             O Largo da feira

O que aqui quero relatar não são feiras quinzenais que se realizam todos os meses nos dias 13 e 27 em Freamunde. Mas sim o recinto que usávamos para a prática de futebol, para matar os tempos livres, onde os miúdos se reuniam em grande número com a finalidade de ali mostrarem os seus dotes futebolísticos. Os mais pequenos - quer em idade e físico - tinham mais problemas em serem escolhidos, quer pelo dono da “bola”, ou pelo mais dotado fisicamente, que regra geral, eram um género de capitães de equipa.
A bola quase sempre era de trapos, uma meia que roubávamos às nossas mães, e farrapos velhos que com algum jeito os transformávamos numa bola. Algumas vezes lá vinha uma de borracha - nessa altura quem tinha uma de “lona” como a apelidávamos - era um felizardo e tinha logo lugar em qualquer das equipas tivesse ou não habilidade.
Nesse tempo havia falta de muitas coisas e o campo da Feira era o lugar de preferência para o passatempo da maioria dos miúdos. Quem era visita assídua era o Zeca (Mirra), jogador do Sport Clube de Freamunde e treinador dos juniores, - naquela altura era a única categoria de futebol juvenil quer Regional ou Nacional - ali apercebia-se de quais os miúdos que ia convidar para treinar na equipa de juniores do Sport Clube de Freamunde.

 Campo da Feira. Encostado ao poste, Zeca “Mirra”, assistia aos jogos entre miúdos

Os jogos eram renhidos, ninguém gostava de perder, às vezes descambava para a virilidade, quando no fim não ia para vias de facto. Ali apareciam miúdos de todos os lugares de Freamunde, do lugar da Gandarela, era raro, isso devia-se a outros factores, para se entreterem e mostrarem como disse em cima as suas habilidades.
Mais tarde evidenciaram-se ao serviço do S. C. Freamunde, grandes jogadores. Desde João Taipa, dizem o melhor jogador de todos os tempos cá do burgo, Humberto, que jogador! Seus irmãos, Arnaldo e Ernesto, Barbosa e tantos outros. Nesse tempo o campo da Feira era a universidade e não faltavam pessoas a assistir a esse prélio.
Nas férias era de manhã à noite, só com interregno para o almoço. Na altura perto do campo havia a Assembleia, um clube, frequentado pelas pessoas de melhores posses que não deixavam de assistir aos jogos que os miúdos ali realizavam. Havia apostas sobre qual a equipa vencedora e os incitamentos eram constantes. O campo da Feira foi palco do tempo do meu pai, quando era miúdo, e de muitos pais que mais tarde ali viram os seus filhos a darem os primeiros pontapés na bola.
Hoje está abandonado. Serve para parque de estacionamento. Tem umas árvores “Plátanos” julgo que centenárias, uns dizem com cerca de oitenta anos mas, há quem afirme que ultrapassa os cem. O meu pai se hoje fosse vivo tinha noventa e dizia que se lembrava delas já grandes.Um dos lugares com mais sombra de Freamunde não ser aproveitado para outras coisas: passatempo para os mais idosos, hoje em Freamunde, são bastantes e praticamente não tem outro lugar assim com sombra, a não ser no Parque de Lazer que fica um pouco retirado. Por vezes estaciono ali o meu carro e vem-me à recordação a minha meninice. Os tombos, as topadas, jogávamos descalços, as feridas nos dedos dos pés e cotovelos, jogava à baliza. As turras que alguns davam nas árvores, eram cerca de quinze, duas foram deitadas abaixo por estarem velhas. Por isto e mais coisas, não sou um saudosista, vejo com bons olhos o progresso mas gostava que fosse a favor da população mais idosa para saborear o pouco tempo que lhes resta de vida.
Os Infantis de outrora: Passada a era de jogarmos na Feira, já éramos mais espigados, o S. C. Freamunde organizou um torneio de futebol, no Campo do Carvalhal, em que os treinadores eram os seus jogadores. Este evento realizou-se no defeso do campeonato houve jogadores que deram a sua colaboração. Humberto com uma equipa que se intitulava do lugar de Leigal e que entre muitos fazia parte o Abel, mais tarde um grande avançado do Freamunde, na altura se a memória não me atraiçoa, como guarda-redes.

Campo do Carvalhal 
Luís "Mirra" com uma equipa que representava o lugar de Além, Rua do Comércio, Abrute e algum mais, em que fazia parte desta equipa, Agostinho "Rita", para mim dos melhores guarda-redes, júnior, do Freamunde, o seu irmão João, mais tarde avançado do S.C. Freamunde, que marcou um golo ao Paços de Ferreira em que ganhamos por dois a um, o outro foi o Abel, nesse tempo eram só vitórias sobre o Paços, Couto que podia ser dos melhores jogadores portugueses se fizesse vida para isso e mais alguns que não me vem à memória.
Alberto "Mirra" nesta equipa a maioria dos jogadores eram da Gandarela. Em baixo exibo uma fotografia, tem mais de cinquenta anos, dos jogadores que faziam parte desta equipa. Gostaria de apresentar mais algumas. Julgo que as há.

Em cima, da esquerda para a direita. Alberto "Mirra", treinador; Rafael "Pataco"; João Lamelas; Serafim "Friagem"; Zé Maria "Careca" e Adolfo Pereira, árbitro.
Em baixo, pela mesma ordem: Maximino "Careca"; Arménio "Malga"; Adriano "Estofador"; Zé Maria Quintela e Zé Maria Viana
O Luís da Feira do Cô, como era conhecido, nesta equipa faziam parte o Valente e o Alcino, mais tarde meus colegas nos principiantes, julgo que também o Pimenta, que foi avançado do F. C. Paços de Ferreira.
A equipa do Barbosa que era constituída pela maioria de miúdos do lugar do Calvário. Nessa altura o Barbosa namorava com a mulher, que é hoje, era criada de servir em casa do senhor Fernando Santos "Edurisa Filho" e tinha um certo carinho pelo lugar do Calvário. Desta equipa fazia parte eu, Luís Afonso, já falecido, éramos como irmãos, a minha meninice, juventude e adolescência foi passada com ele, o Chico "Folhetas", Zeca Peixoto, Arnaldo Afonso e outros que não me vem à memória. Tínhamos uma boa equipa, éramos uns sérios candidatos a vencedores do torneio se não fossemos prejudicados num jogo de real importância.
Os jogos eram no campo de Carvalhal, este com dimensão e balizas reduzidas, assim como o tempo de duração do jogo, um género de futebol de sete, como hoje se pratica. Os árbitros eram pessoas convidadas e com um certo conhecimento das leis de futebol. Faziam parte deste naipe, Adolfo Pereira e Fernando Leal, já falecidos, este último, durante vários anos presidente do Sport Clube de Freamunde, nesse tal jogo que digo que fomos prejudicados quem o arbitrou foi ele. Ainda me lembro que no fim do jogo o Barbosa, nosso treinador, se dirigiu a ele com críticas severas o que não era e é usual no Barbosa. Nós jogadores também ficamos aborrecidos com tal atitude e resolvemos dar-lhe uma vaia de gatuno o que na época já era usual.
Fernando Leal nessa altura também pertencia ao lugar do Calvário, morava na casa que é hoje do Nandinho Correia "Venturinha" e como esse era o lugar predilecto das nossas brincadeiras sempre que podíamos dávamos uma rodada de gatuno uns queriam algo mais mas nunca nos atrevemos.
Hoje penso que o facto de sermos prejudicados se deve a ele (Fernando Leal) ser do mesmo lugar da minha equipa (Calvário) e querer mostrar isenção, em caso de dúvida, beneficiava a outra. Hoje é só recordações. Falo neste pormenor mas todos os Freamundenses devem-lhe gratidão por que foi dos melhores presidentes que o Sport Clube de Freamunde teve.
Estes jogos eram realizados ao domingo, não havia o hábito dos sábados, não se fazia a semana-inglesa, quanto mais a americana. Para quem ler este texto, explico, o que era a semana-inglesa e americana. Nesse tempo o horário laboral era de oito horas diárias de segunda-feira a sábado. Depois veio a semana-inglesa que consistia em se trabalhar mais uma hora, de segunda a sexta-feira, no sábado só se trabalhava das oito às onze. Depois veio a americana. O horário semanal passou de quarenta e oito para quarenta e cinco horas e assim as três horas que se trabalhava no sábado deixou-se de o fazer e deu-se o nome de "Semana-americana".
Aos domingos como estava dizendo realizavam-se dois jogos. Eram vistos por muitas pessoas para além dos pais dos jogadores e moradores dos respectivos lugares em confronto.
A equipa campeã foi a do Humberto. Houve a entrega das taças e medalhas, já nesse tempo, esta cortesia não era esquecida e todos ficaram contentes por tal dádiva e aqui esqueceu-se, aos vencidos, os dissabores e as más arbitragens assim como as más exibições.
A equipa favorita, nessa altura já existia favoritismo, pendia todo para a equipa do Luís "Mirra". Mas, como ontem e hoje, não se ganha só com o favoritismo, é preciso algo mais, aqui não me estou a referir às arbitragens mas sim à equipa de grupo e essa foi sem dúvida a do Humberto.
Se houve aqui algum lapso de memória desde já peço as minhas desculpas mas elas devem-se ao facto de estarmos a muitos anos desse evento e não haver nenhum arquivo para se poder consultar, aliás, é dos pontos mais fracos que existe em Freamunde. Refiro-me a nível de tudo. É ver o que acontece com as instituições mais representativas de Freamunde: Futebol, Banda de Música, Teatro e assim sucessivamente.
Principiantes: O S.C. Freamunde resolveu criar uma equipa de principiantes para entrar no campeonato Distrital organizado pela Associação de Futebol do Porto. Nesse tempo a maioria dos jovens, como eu, não tinham bilhete de identidade e como havia um prazo para a inscrição senão não podiam entrar na prova teve que se filiar jovens que andavam a estudar, esses eram obrigados a ter bilhete de identidade, foram os inscritos. 

Mais tarde, já com os jogadores seleccionados pelo treinador Zeca “Mirra” é que tiramos fotografias e o bilhete de identidade a expensas do clube, a maioria dos pais dos jogadores, não podiam despender do dinheiro e o bilhete de identidade não era obrigatório para jovens.

Equipa de Principiantes
O primeiro jogo foi realizado em S. Mamede de Infesta, no campo do F. C. Infesta, mais tarde denominado por parque de jogos Moreira Marques, clube com bastantes tradições no desporto Regional. O resultado foi de quatro a três com uma boa exibição do S. C. Freamunde. Fizemos um campeonato modesto, o campeão de série foi o Pedrouços Atlético Clube.
No ano seguinte voltamos a participar com uma equipa mais experiente. Maior número de equipas aderiu a este evento. Fizemos um bom campeonato, mas o super Leixões, com vários jogadores que mais tarde formaram a equipa denominada pela equipa dos “Bebés” onde actuava o guarda-redes Fonseca. Só para título de exemplo a única equipa a marcar-lhes golos foi S. C. Freamunde, dois no jogo em casa, Jorge “Sardinha” e Alcino. O resultado foi de 2 a 7. Em entrevistas dadas por Fonseca ainda hoje se refere a estes golos sofridos.
Equipa de Juniores: A época acabou tendo saído uma boa parte de jogadores para a equipa de juniores que rendeu a célebre equipa constituída por Agostinho “Rita”, - fotografia exposta a seguir - entre tantos.

Não foi o meu caso. Abandonei por afazeres profissionais. Trabalhava em Paços de Ferreira como estofador de móveis, ia e vinha a pé, e por faltarem com o pagamento das horas despendidas com os treinos o meu pai disse-me que assim não me deixava jogar. Também não tinha grande vontade. Deixei de comparecer.
A equipa de juniores tinha bons executantes o que lhes faltava era um guarda-redes à altura dos seus pergaminhos. Classificaram-se em segundo lugar. O campeão foi o F.C. Lixa, coisa rara, pois o campeonato era quase sempre discutido entre S.C. Freamunde e Amarante F.C. no golo avarage. Uma vez, por outra, o F. C. Penafiel.
Tinha bastantes amigos que faziam parte da equipa (Luís Afonso) que andava constantemente a dizer-me para ir treinar que precisavam dos meus serviços como guarda-redes. Dizia que se houvesse alguém que se prontificasse a pagar-me as horas despendidas com os treinos talvez o meu pai me deixasse jogar e pedir ao meu patrão para me dispensar umas horas de trabalho nos dias dos treinos. Assim aconteceu. Zeca “Mirra”, o treinador, foi falar com o meu pai e prontificou-se a pagar-me as horas perdidas com o treino caso o tesoureiro do S. C. Freamunde o não fizesse.
Treinei essa semana para me ambientar, estava sem treinar há mais de época e meia, o S. C. Freamunde andava a disputar a prova extra de juniores, organizada pela A. F. Porto. No domingo deslocava-se ao Amarante F. C. para disputar o último jogo da primeira volta. Fui incluído para ir ver o jogo, ainda não estava inscrito, para me inteirar dos jogos. O resultado final foi a derrota por seis a um, fazia parte da equipa do Amarante, Taí, mais tarde jogador do Boavista e F. C. Porto.
No domingo seguinte, ao virar da primeira volta, fomos jogar ao F.C. Felgueiras, já comigo a titular e o resultado se não me engano foi de três a zero ou três a um a nosso favor. A partir daí eram só vitórias até que chegou o último jogo com o F.C. Amarante.
O Amarante era o primeiro classificado com mais dois pontos que nós. Para sermos campeões e ir disputar a fase final tínhamos que ganhar por seis a zero. Missão difícil mas não impossível. Começou o jogo e fizemos um a zero. Não demorou muito o Amarante fez o um a um. Com uma exibição do outro mundo conseguimos aumentar o pecúlio à medida que o jogo decorria. Resultado final. S. C. Freamunde sete F.C. Amarante um. Fomos campeões de série.
Os jogadores do Amarante não queriam acreditar. Mas, aqui em Freamunde a fé demove montanhas. Estávamos de parabéns. O nosso treinador Zeca “Mirra” como prova de carinho ofereceu-nos um jantar em sua casa a expensas suas. Além de ser nosso treinador era para nós um segundo pai. Sofria a bom sofrer pelos nossos êxitos, que aliás, também eram seus.
Estávamos contentes. O que interessava era agora prepararmos para os próximos jogos que nos calhou em sorteio. Foi o Académico F.C. que ficava sediado na rua do Lima. Os jogos eram realizados no parque de jogos Mário Rui Navega, perto de Campanhã, aliás enquanto jogávamos ouvíamos os apitos dos comboios o que para nós fazia alguma confusão. Nesse jogo perdemos por três a dois. Fazia parte dessa equipa Canavarro que mais tarde foi um excelente avançado do F.C. Paços de Ferreira.
Aguardávamos o jogo realizado em nossa casa. Tínhamos de vencer por uma diferença de dois golos. Oportunidades não faltaram mas o árbitro não nos deixou realizar essa façanha. Não gosto de passar as responsabilidades para os outros pelos nossos desaires mas, que o árbitro teve responsabilidades com o empate de um a um, isso teve.
Assim acabava a minha meia época ao serviço da equipa de juniores do S.C. Freamunde só com uma derrota. Todos eram unânimes em dizer que se tivesse comparecido desde início que tínhamos disputado o nacional de juniores.
Começou o campeonato de juniores 1966/67. Tínhamos uma boa equipa. A maioria dos jogadores ainda podia jogar mais um ano. Além disso recebeu-se o Fernando Viana, teve de ter uma autorização do Ministério dos Desportos para poder jogar, não tinha a idade mínima. Começamos com vitórias até ao jogo com o Amarante F. C.. O primeiro com eles foi em Amarante e como era usual perdemos pela diferença mínima. Sabíamos, nós e eles, que a classificação era discutida no golo avarage, caso não surgisse algum imprevisto. Mas eis que na nossa deslocação ao F.C. Penafiel, onde não prevíamos, empatamos a duas bolas. Fizemos um bom jogo, desfrutamos de várias situações de golo mas estávamos em dia não. O Amarante também ali se deslocava antes de vir a Freamunde. Os directores do Freamunde ofereceram um bom prémio aos jogadores do Penafiel em caso de vitória ou empate mas, o Amarante ganhou esse jogo e com isso as nossas esperanças morreram ali. Mais um ano que não fomos ao campeonato nacional de juniores. Tivemos bastante pena. Tudo fizemos para que isso acontecesse. Paciência.

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