Há um país que se sente mal neste
país. Há um país que acha que o país o não segue ou, quando acaso
episodicamente o faz, nunca consegue pôr o país a seu jeito. Há um país com uma
infindável raiva, que acha que o país o não compreende, que vive num mal-estar
endémico, em “blues” eternos. Há um país que acha que tem uma ideia salvífica
para o país, a mezinha mágica para pôr isto direito, mas que o país, pateta,
não consegue nunca entender. Há um país sobranceiro, arrogante, feito de gente
que, afinal, apenas gostava que o país fosse aquilo que eles acham que o país
devia ser. E que, talvez não por acaso, não é.
Esse país, que agora por aí anda
com a bílis à solta, não gosta do país que tem, não gosta afinal do país que
lhe deu a liberdade de não gostar do país. É o país tremendista do “nós” e do
“eles”, em que estes últimos são o sujeito de todos os males, que só não são
curados porque a “nós” não é dada a possibilidade de os corrigir. Esse país que
agora anda muito vocal, mas que nunca fez nada pelo país, é filho incógnito
daqueles a quem, em todas as épocas da nossa História, sempre desagradou o país
que tinham. Para esses melancólicos iluminados pelas luzes da outra verdade,
isto sempre foi uma “choldra”, uma “seca” feita país, a que urge abrir as
portas e as janelas, deixando entrar o ar do tempo. O deles.
No passado, esse país indisposto
com o país, era então o estrangeirado. Lá fora estavam todas as soluções, só
era necessário importá-las para que a modernidade das ideias, afinal tão óbvia,
pudesse aqui frutificar e dar-lhes, finalmente, a glória dos profetas. Com
Abril, desembarcaram em Santa Apolónia, com livros e ambições de
reconhecimento. O país, que tem da generosidade o sentido da medida, deu-lhes o
que era devido. Não mais.
Mas a semente, qual OGM, mudou de
qualidade, transmutou-se. O país do despeito transitou entretanto de geração,
ilustrou-se nas Américas, leu Popper e, enterrando o latino, anglo-saxonizou o
seu projeto. Andou os últimos anos a fazer livrinhos, acolhido em universidades
de receita segura, colunizando-se pelas plataformas da moda. Nos partidos, onde
se muda a política com a legitimidade das vontades expressas, entram e saem,
nervosos, à medida das ambições, falhos de votos e reconhecimento. Cavalgando
as inseguranças de muitos, as dúvidas de uns tantos, os temores de alguns,
ei-los agora a adubar de populismo os seus discursos, tentando que os dias do
país se confundam com os da sua raça.
Quem os topava bem era o O’Neill,
que os citava, definitivos e, no entanto, tão tristemente provisórios: “Não,
não é para mim este país!”. E era também um poeta, imaginem!, de Portalegre,
Régio de seu nome mas republicano de gema, quem lhes respondia, quem lhes
responde, em nome do país: “Não vou por aí!”
Francisco Seixas da Costa
Do blogue duas ou três coisas
Francisco Seixas da Costa
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