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segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Triste vida:

O que nos veio a acontecer. Quem como eu que nasceu depois de acabar a 2ª. Grande Guerra Mundial, de passar por todas atribulações, filho de um casal pobre, pai serralheiro civil, mãe doméstica. 
Nesse tempo depois dos afazeres domésticos que na altura consistia no arrumo da casa, que dada as dimensões, que eram poucas, o ir lavar a roupa a tanques públicos ou particulares, por especial favor, o outro tempo era aproveitado para o trabalho a dias. 
Fosse na arrumação da casa, no trabalhar dos quintais, na lavoura no tempo das sementeiras - ia-se pelo comer e o adquirir de umas hortaliças - no acarretar à cabeça de cestos de terra e pedras para a construção de casas, tudo era aproveitado para tentar equilibrar as despesas quinzenais, nesse tempo recebia-se à quinzena, e o livro de fiados era pago de quinze em quinze dias. 
Ainda me lembro da minha mãe depois de somar todas as parcelas no livro de fiados dizer-me: - revê a soma a ver se bate certo com a que fiz: um género de prova dos nove. Corrigia. Andava na escola e em aritmética, como se dizia na altura, tinha boa aplicação e a minha conta batia certa com a da minha mãe. Depois de lhe dizer que batia certo, ela dizia-me: - ao pedir para corrigires, a minha intenção, era se me tinha enganado a favor do merceeiro, uma vez que assim não tenho dinheiro para pagar os débitos de quinze dias.
Eu sei o que ia na alma da minha mãe. Era uma pessoa que gostava de cumprir os compromissos. Sentia-se envergonhada. Custava-lhe pedir um adiamento do dinheiro em falta mas tinha de ser. 
Quem fazia as compras eram as mulheres e regra geral eram elas que tinham de pôr a cara. Os filhos, que nessa altura já éramos uns poucos, tinham necessidade de comer. 
O merceeiro de onde gastava era uma pessoa compreensível com as dificuldades por que passavam os seus clientes e tinha de proceder assim para fazer face à vida. Concordava com o adiamento. Recebia o que era possível. 
Se os clientes estavam mal eles não estavam melhor. Nessa altura como hoje quem fosse sério não enriquecia, conseguia levar uma vida modesta, era o que acontecia com o merceeiro de onde os meus pais gastavam.
Os filhos foram crescendo. Acabada a instrução primária começaram a trabalhar e o seu pecúlio quinzenal ajudava a fazer face à vida. Assim conseguiam pagar as suas dívidas e começar a ter uma certa independência, porque quem deve é sempre um dependente. Não pode regatear preços e tem de gastar sempre dali. Como disse era uma mercearia séria. 
Com outras, ouvia-se dizer, que aumentavam mais alguma coisa no livro de fiados deles. No acto do pagamento os clientes não podiam protestar porque senão era-lhe cortado o crédito e com a agravante de não conseguir que outros fiassem. Quando assim acontecia a palavra passava de boca em boca e os merceeiros usavam a solidariedade entre eles. 
Com os anos a passar e as melhorias que o País vinha conseguindo a vida sorria. Já se comprava um rádio a pilhas, a maioria das casas não possuíam electricidade, recheava-se melhor a dispensa, não se podia comprar frescos porque não existia frigoríficos a pilhas. 
A sardinha que dava para três passou a ser só para um. A ida ao café que era só aos fins-de-semana passou a ser diária. O comércio passou a vender mais derivado à independência das pessoas.
Com o 25 de Abril a independência foi total. Os ordenados cresceram. Vieram as férias e subsídios de férias e de Natal. Os portugueses de menos posses aproveitaram estas regalias para melhorar o seu sistema de vida: alguns aventuram-se a fazer ou comprar casa. Com isto a construção civil cresceu, o dinheiro que os bancos pagavam pelos juros não compensava, era melhor investir na compra de terrenos, carro, remodelar a mobília e assim sucessivamente. Saímos da cepa torta. O filho do trabalhador já podia frequentar o Liceu e a Universidade.  
Os governos começaram a prometer-nos o oásis. Os bancos o céu. 
A maioria dos portugueses acreditou e fizeram sempre a vida não se lembrando do amanhã. Os empregos eram estáveis. Não faltava trabalho. 
A entrada na União Europeia foi-nos vendida com um conto de fadas. Acabou-se com a agricultura e pescas. O dinheiro vinha a rodos e nunca houve um alerta que um dia se tinha pagar isto tudo.
Passados estes anos todos vemo-nos confrontados com essa triste realidade. O que almejávamos para os nossos filhos e netos tudo se desmoronou. Chego à triste realidade que aos meus netos e aos filhos deles venha a acontecer o mesmo que aconteceu a mim na minha meninice. Triste realidade.
O que mais me indigna é ver os chicos-espertos, que nunca tiveram vergonha, a enriquecer sem que ninguém saiba de onde vem esse dinheiro. Falcatrua atrás de falcatrua. O governo para as corrigir vem tirar as regalias e o dinheiro a quem tem menos. 
Os funcionários públicos, quando era miúdo, eram vistos como trabalhadores sérios e cumpridores. Hoje são o bode expiatório e a ralé da sociedade para este governo. É forte com os fracos e fraco com os fortes.
Espero que os filhos não comecem a dar uma manta e uma broa de pão e levar os pais a um monte e ali os deixar à sorte como se fazia antigamente. Este governo desde que tomou posse é esse o seu desejo.

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