De 2004 a 2010 a sociedade de advogados de Aguiar-Branco foi uma das
consultoras da empresa de transportes do Grande Porto tendo facturado mais de
um milhão de euros. O contrato foi feito por adjudicação directa. O ministro
negou sempre qualquer incompatibilidade ou favorecimento. Mas o governante terá
“ajudado” a nomeações de ex-responsáveis da Metro para cargos públicos. A
bronca rebentou agora com os investimentos de alto risco e o afastamento de
dois secretários de Estado. E há muitos mais sob suspeita.
Silva Peneda e Braga Lino deixaram o Executivo devido a eventuais
irregularidades detectadas pela Inspecção-Geral de Finanças, precisamente em
contratos de risco que negociaram quando eram gestores da empresa Metro do
Porto.
Mas uma investigação do NOTÍCIAS SEM CENSURA descobriu que a empresa
Metro do Porto, constituída por capitais do Estado, sete autarquias do Grande
Porto, STCP e CP adjudicou directamente à JPAB – Sociedade de Advogados José
Pedro Aguiar-Branco os serviços de consultadoria jurídica, sendo o actual
ministro da Defesa o responsável pela “coordenação geral do gabinete jurídico
da Metro S.A.” e recebendo pelos serviços prestados uma avença mensal de 12.100
euros excluindo-se, deste contrato “os serviços judiciais e serviços que, pela
sua complexidade e interesses em jogo, não se devam incluir na noção de
assistência jurídica corrente, que serão assim, remunerados caso a caso”.
Segundo “o Noticias sem Censura apurou”, o contrato entrou em vigor a 1 de Maio
de 2004 e durou pelo menos até 2010, não tendo sido sequer anulado quando
Aguiar-Branco foi ministro da Justiça, entre 2004 e 2005, no Governo de Santana
Lopes.
Fora da avença fixada, ficaram, desta forma, todos os contratos “de
reconhecida complexidade e elevado valor”. E esta complexidade traduziu-se,
para dar apenas alguns exemplos, em processos como o furto e recepção de tubos
de cobre por um ladrão, que custou à Metro do Porto mais 2.500 euros, pagos à
JPAB fora da avença, um processo de danos num imóvel valeu à sociedade de
Aguiar-Branco mil euros e um simples processo contra um utente que viajava sem
título de transporte válido rendeu outros mil. E até três acções contra os
maquinistas da CP, acusados de violar a lei da greve em 2008, custou à Metro do
Porto mais nove mil euros.
A contratação de sociedades de advogados por parte da Metro do Porto
nunca foi feita por concurso público. “A Metro do Porto procedeu à aquisição
dos serviços jurídicos por ajuste directo e por convite para apresentação de
propostas, procedimento que não exige a publicação de anúncios”, lê-se num
documento da empresa a que o Noticias sem Censura teve acesso, não sendo
explicados quais os critérios usados para escolher as sociedades de advogados a
quem os “convites” foram enviados.
Lei contornada
A lei das incompatibilidades não permitia a José Pedro Aguiar-Branco
continuar à frente dos destinos da sua sociedade de advogados quando foi
nomeado ministro da Justiça e muito menos exercer. Mas isso não foi impedimento
para a JPAB deixar de assegurar os serviços jurídicos à Metro do Porto. Assim,
depois do contrato assinado em Maio, foi feita uma alteração contratual, em
Outubro de mesmo ano, passando a coordenação do gabinete jurídico para as mãos
de Luís Bianchi de Aguiar, membro da sociedade. O contrato inicial da avença,
que fora fixada em 11.083 euros mensais, foi também alterado para 13.100 euros
entre Junho e Outubro de 2004, passando a partir desse mês a ser de 12.100
euros, valor que se manteve pelo menos até 2010. Esta alteração de valores
ficou a dever-se “a um volume de trabalho superior ao que tinha sido estimado
cinco meses antes”, conforme justifica a empresa num documento intitulado “adicional
a contrato de avença”.
No dia 1 de Novembro de 2006, em pleno feriado, é celebrada a renovação
do primeiro contrato de avença, novamente sem que fosse aberto qualquer
concurso público. A Metro do Porto argumentou simplesmente que a empresa de
Aguiar-Branco já tinha experiência acumulada por força do serviço prestado até
então, “não se encontrando qualquer outra empresa em condições de assegurar com
igual grau de confiança e conhecimento” a assessoria. O ex-ministro da Justiça
e actual titular da pasta da Defesa regressa ao seu posto: coordenador-geral do
apoio jurídico da Metro, mas agora ajudado por Bianchi de Aguiar. O contrato
durou até 31 de Dezembro de 2010, altura em que os serviços jurídicos passaram
a ser geridos por um gabinete próprio da empresa.
Apesar de ser responsável pelo apoio jurídico à Metro do Porto, não
deixa de ser curioso que, a 05 de Agosto de 2009, tenha sido pedido a um
advogado da FDR – Flamínio Rosa, Pinto Duarte, Côrte-Real & Associados –
Sociedade de Advogados, RL, um parecer jurídico sobre a Ponte Luiz I e os
prejuízos suportados pelo consórcio Normetro. Depois deste parecer, que custou
quase 30 mil euros, a Metro do Porto ainda pagou por outros serviços mais de 40
mil euros à FDR.
Em serviços jurídicos e apesar de ter uma avença com a empresa de
Aguiar-Branco, a Metro do Porto sentiu ainda necessidade de contratar a
Cuatrecasas, Gonçalves Pereira e Associados – da qual faz parte o eurodeputado
e candidato derrotado a líder do PSD, Paulo Rangel -, a quem pagou mais de 130
mil euros por um processo ligado à expansão da rede do empresa e mais 39.900
euros para um contrato de aquisição de 30 veículos de metro ligeiro.
Coincidências
Por coincidência, os responsáveis da Metro do Porto que autorizaram a
contratação da JPAB - Sociedade de Advogados e que já não estão na empresa, não
tiveram o seu futuro comprometido quando deixaram os seus cargos, tendo sido
nomeados para cargos estatais. Assim, José Manuel Duarte Vieira, que entre
Julho de 2000 e Março de 2008 foi administrador da Comissão Executiva da
Sociedade Metro do Porto, S. A., acabou nomeado, em Agosto de 2011, pelo
ministro da Defesa, José Pedro Aguiar Branco, para acompanhar e monitorizar a
participação nacional no programa do KC 390, relacionado com a constituição de
um cluster aeronáutico. Em Março de 2012 Duarte Vieira passou a ser o
presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento da Região Norte, lugar
que pertencia ao socialista Carlos Lage, que se reformou, e para o qual era
apontado Carlos Duarte, ex-secretário de Estado do ministro da Agricultura.
Além de Duarte Vieira, também Paulo Braga Lino, que entre 2000 e 2006,
foi “controller” da Metro do Porto e diretor administrativo e financeiro da
mesma empresa entre 2006 e 2011 viu o seu percurso premiado com a nomeação para
o cargo de secretário de Estado Adjunto e da Defesa Nacional, sendo assim um
dos homens de mão do ministro Aguiar-Branco. Durante anos foi ele um dos
responsáveis que avalizou os pagamentos à JPAB no âmbito da avença com a Metro.
Foi agora afastado.
O sacrifício de Braga Lino
Confrontado, em 2012, pelo NOTÌCIAS SEM CENSURA com estes factos, o
gabinete de Aguiar-Branco foi peremptório: “A suposta incompatibilidade que é
referenciada inexiste, como resulta da mera análise do Estatuto da Ordem dos
Advogados e do Regime jurídico de incompatibilidades e impedimentos dos
titulares de cargos políticos e altos cargos públicos. Os rendimentos da
sociedade não são imputáveis à declaração de rendimentos do Dr. Aguiar-Branco,
na qual só podem constar rendimentos efetivamente por si auferidos. A escolha
do Secretário de Estado Adjunto da Defesa Nacional baseou-se exclusivamente em
critérios de competência técnica e profissional. De resto, a aceitação do cargo
significa para o Dr. Paulo Braga Lino um sacrifício pessoal e financeiro, este
último comprovado pela comparação entre o rendimento auferido no ano anterior à
sua tomada de posse (constante da declaração de rendimentos oportunamente
entregue junto do Tribunal Constitucional) e a remuneração que aufere enquanto
membro do Governo e que é pública.”
O defensor da transparência
O actual ministro da Defesa, José Pedro Correia de Aguiar Branco, de 53
anos, apresentou, em 2009, a sua declaração de património e de rendimentos ao
Tribunal Constitucional seguindo as imposições do Regime de Transparência
Fiscal. O advogado e antigo ministro da Justiça teve mesmo de preencher vários
anexos, criados por ele próprio, para explicar ao tribunal tudo o que tem e os
cargos que desempenhou ou desempenha fora do mundo da política nos últimos
anos. A declaração fornecida pelo organismo judicial era pequena para tanta
informação.
O Regime de Transparência Fiscal entrou em vigor em 1989 e abrange os
profissionais de actividades regulamentadas organizados em sociedades,
nomeadamente advogados, revisores oficiais de contas, que não só vêm os lucros
da sociedade a que pertencem serem tributados de acordo com as regras do IRC,
como ainda têm de ser tributados em IRS uma vez que os proveitos da sociedade
são atribuídos a cada um dos sócios.
O objectivo da lei é contribuir para a neutralidade na tributação dos
profissionais, independentemente de os mesmos exercerem a actividade em
sociedade ou individualmente.
Apesar de quase metade dos deputados da Assembleia da República serem
advogados, nenhum deles, com excepção de Aguiar-Branco, invocou nas declarações
que entregaram em 2009 no Tribunal Constitucional a lei da transparência
fiscal.
O actual ministro do PSD declarou que ganhou como deputado, em 2008,
60.586,54 euros, facturou 4.200 euros em recibos verdes e ainda ganhou
168.650,98 euros referentes aos rendimentos da distribuição de resultados da
Sociedade José Pedro Aguiar-Branco e Associados – Sociedade de Advogados RL
(sujeita ao referido Regime de Transparência Fiscal). Os valores apresentados
como sendo resultados da sociedade de advogados, ficam, assim,
bastante longe dos mais de 350 mil euros facturados em 2008 à Metro do
Porto (entre avença e trabalhos acrescidos), sendo que a Metro não era a única
cliente da sociedade.
Quando a dinheiro depositado nos bancos, Aguiar-Branco também não
escondeu o que tinha (são menos de uma dúzia os deputados que revelaram onde e
quanto é que tinham em depósitos à ordem). Assim, detinha àquela data uma conta
à ordem no Banco Bilbau Viscaya e Argentaria (BBVA) de 24.478 euros, mais 10
mil euros num depósito multigestão, 12.500 euros num depósito “dual”, 20 mil
euros num depósito fortaleza, 23,952 euros em fundos de investimento, ou seja,
um total de 90.930 euros.
Além da conta no BBVA, Aguiar-Branco tinha depositados à ordem, a 11 de
Dezembro de 2009, quase 330 mil euros no Banco Espírito Santo (BES), onde
mantinha ainda uma conta poupança de 792,53 euros. No Private Banking o
advogado tinha naquela data 100 mil euros e mais 15.400 euros depositados no
Barclays.
Apesar destes rendimentos anuais bastante acima da média do comum dos
cidadãos, Aguiar-Branco não tem até hoje qualquer carro, barco ou aeronave
registado em seu nome, mas tem um respeitável património imobiliário. É dono de
um quarto da freguesia de São Vicente de Oleiros, em Guimarães, tem um prédio
rústico em Lordelo do Douro e é proprietário de 12 quartas-partes
correspondentes a outros tantos prédios em Braga.
Em termos de cargos em sociedades empresarias o ministro não tem mãos a
medir desde 2004, tendo sido presidente das mesas de Assembleia Geral de
qualquer coisa como 55 sociedades ligadas aos ramos da restauração, gestão e
administração de bens, empreendimentos imobiliários e da distribuição. Foi
vice-presidente da Mesa da Assembleia Geral de três empresas dos ramos da
construção e calçado ortopédico, bem como gerente da Visiva – Consultadoria e
Gestão de Empreendimentos e da Portocovi – Organização e Gestão de Escritórios.
O ministro era ainda presidente das assembleias gerais da IMPRESA –
SGPS, S.A., Sociedade Aberta, da Portucel – Empresa Produtora de Pasta de
Papel, S.A., da SEMAPA – Empresa de Investimento e Gestão S.A. e da C.G.C. –
Centro de Genética e Patologia S.A., bem como membro dos conselhos de
administração da sua sociedade de advogados (JPAB) e da Áreas Portugal – Restauração
e Distribuição S.A.
Perante tanta transparência, esqueceu-se que, já como ministro da
Defesa, recebia um subsídio de alojamento de cerca de mil euros do qual se
apressou a prescindir, logo que o facto foi noticiado, apesar de “não ter casa
em Lisboa”.
Actualmente, e apesar de ter comunicado a suspensão da sua actividade
como causídico à Ordem dos Advogados, o ministro da Defesa é visto quase todas
as segundas e sextas-feiras, depois de almoçar no restaurante “ Books”, a
entrar no nº 110 da Rua Falcão, no Porto, no escritório da sociedade de
advogados José Pedro Aguiar-Branco & Associados. Demora-se algumas horas e,
ao fim da tarde, um Mercedes com motorista pago pelo Estado vai buscá-lo. O que
o ministro fica a fazer no escritório permanece no “segredo dos deuses”...
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