Noite de reunião imaginária. Empresários anónimos. Como alcoólicos
anónimos, toxicodependentes anónimos... Entra-se sem dar o nome. É sentar e
ouvir. E falar. Levantou a mão. O ambiente é duro. Há que confessar, reconhecer
o crime, matutar nas falhas. Disse:
"Eu também criei uma empresa. Era uma coisa pequena ao princípio,
uma boa localização, eu, a minha mulher e uma funcionária que ajudava na
cozinha..."
('Ramiro Moreira' tinha aberto um restaurante há uns anos. Alinhou umas
receitas especiais, havia trabalhado na restauração, juntou um dinheiro com a
ajuda de uns biscates e gorjetas. E avançou, há 20 anos. Agora estava ali
porque um amigo o levou... O desespero está-lhe na cara.)
"Os primeiros anos foram bons. Muitos clientes, gente amiga, casa cheia
aos fins de semana. Metemos logo mais dois funcionários, depois uma ajudante de
cozinha que a minha mulher estava a ficar cansada e lá fomos crescendo..."
(Os outros empresários ouvem a história como se fosse a sua. A
narrativa é quase sempre a mesma. Criar um negócio para melhorar a vida. Depois
vêm os problemas, uns atrás dos outros...)
"Um dia apareceu a ASAE. Queria mais inox na cozinha: novos
balcões, frigoríficos com maior capacidade, mais isto e aquilo... Muito
dinheiro... Mas que havia de fazer? Tinha de ser. E a banca emprestava, e lá me
meti naquilo a pagar a prestações... Mas depois chegou a crise... Não é a
primeira vez que há crise, mas esta é diferente... Primeiro, os clientes
deixaram de beber vinho, que é onde temos um bocado de margem. Entradas, também
não, sobremesas só pra as crianças... Depois começaram a aparecer menos
vezes... Claro, a gente pensa que isto é passageiro e que o Passos Coelho ia
correr com o Sócrates e endireitar isto, que o Estado leva tudo e a gente
trabalha, trabalha, e fica cada vez com menos..."
(Silêncio absoluto. Continua)
"Até que aqueles filhos da p... aumentaram o IVA para 23%!... Mas
para que caralh... foram estes grandes cabrões fazer uma coisa destas? Nem nós
vendemos, nem as pessoas aparecem, e até eles perdem!... Mas porquê? Que
apertassem a fiscalização para a malta que sempre fugiu, está certo... Mas as
pessoas já têm cada vez menos dinheiro: se aumentamos o IVA para 23%, deixam
mesmo de vir!..."
(Na reunião desta noite estão oito empresários sentados em círculo.
Todos com estabelecimentos fechados ou a fechar. Como são gerentes, não têm
direito a subsídio de desemprego. Carregados de dívidas, sabem que vão ficar
sem o restaurante mas também sem a casa da família porque os bens pessoais vão
responder pelas dívidas. Uns têm filhos pequenos, outros já adultos mas a
precisar deles. Vão passar pelo vexame social de terem sido uns 'senhores' e
agora são isto, uns farrapos, uns idiotas que não amealharam nas vacas
gordas... Tinham BMW ou Mercedes e o rei na barriga - dizem os vizinhos.
Agora... rua).
"A situação é esta: devo 80 mil euros à banca pela remodelação que
fiz do restaurante, tudo como devia ser, um luxo... Tenho cinco empregados para
indemnizar. Devo ao Estado a Segurança Social e o IVA dos últimos seis meses
porque depois do 15 de setembro isto parou tudo... Ainda não paguei o novo
sistema de faturação que me põe doido para saber como funciona... E vou ficar
inibido de ser empresário nos próximos anos porque fali o meu negócio... Mas
digam-me lá: onde é que eu falhei?"
(Uma economia em crise mata os maus e os bons. Destrói os homens e as
mulheres, por dentro e por fora. Isto estava à vista quando o Estado aumentou o
IVA para 23%. Gaspar não ouviu. Passos não ouviu. A maioria no Parlamento não ouviu.
Agora é isto... Divorciam-se no papel para tentar salvar a mulher e os filhos.
Pensam em fugir para o Brasil ou emigrar para a Europa nem que seja para servir
à mesa. Filha da p... de vida..., repetem sem parar).
Voltam na semana seguinte. Quando conseguem.
JN, sábado, 16 de fevereiro, página 7: "Em apenas 72 horas
suicidaram-se dois empresários da restauração do Porto. E nos últimos três
meses foram sete os que puseram termo à vida na região do Algarve".
No JN de 20/02/13
No JN de 20/02/13
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